formação médica

CFM apoia Enamed, mas alerta que exame não impede atuação de médicos malformados

Conselho Federal de Medicina considera a nova avaliação criada pelo MEC um avanço, mas acredita que apenas o Exame de Proficiência, em tramitação no Senado, garante profissionais habilitados para o mercado

Correio Braziliense
postado em 04/05/2025 06:00
Lucas Teles, 23 anos, no 11º semestre do curso na UnB, defende uma melhor distribuição de profissionais -  (crédito:   Ed Alves CB/DA Press)
Lucas Teles, 23 anos, no 11º semestre do curso na UnB, defende uma melhor distribuição de profissionais - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

Artur Maldaner*, Marina Rodrigues

O Conselho Federal de Medicina (CFM) avalia positivamente a criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), lançado pelo Ministério da Educação (MEC) em abril. No entanto, a entidade alerta que, da forma como foi estruturado, o exame não impedirá que médicos malformados ingressem no mercado de trabalho, colocando em risco a assistência à população.

"O Enamed é um instrumento que vai levar informações para o MEC em relação à qualidade do médico que está sendo formado. Agora, as consequências dessas informações, pelo menos, no que foi publicado nas portarias, não têm nenhuma repercussão em coibir médicos malformados ou cursos de medicina inadequados", afirma Alcindo Cerci, coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM.

Segundo o médico, o Exame Nacional de Proficiência em Medicina, em tramitação no Senado Federal, seria a forma mais adequada de garantir a segurança da sociedade: "O nosso pensamento é que o exame de suficiência médica, que é para habilitar o médico ao trabalho e não para avaliar a formação da faculdade da qual ele veio, é o melhor instrumento que tem hoje para que a gente possa dizer para a população que aquele médico está adequadamente habilitado para trabalhar."

Com início das inscrições previstas para julho, o Enamed será aplicado de forma obrigatória a todo os estudantes concluintes de medicina no país. A prova, organizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é resultado da unificação do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e do Exame Nacional de Residência (Enare), até então aplicados separadamente.

Eficiência 

Previsto para ocorrer anualmente, o Enamed representa, portanto, uma modificação do Enade — realizado uma vez por ano para avaliar a qualidade dos cursos de licenciatura, e a cada três anos para os demais. Além disso, oferece a possibilidade, de maneira opcional, de uso da nota obtida para o Enare, um dos vários concursos de residência médica feitos no Brasil.

"O peso dele (Enamed) para a entrada em residências médicas está vinculado apenas ao Enare, que não deve chegar a 30% das vagas de residência no país. Mesmo assim, existe uma opcionalidade de se utilizar essa nota como nota oficial do Enare. Então, o aluno faz a prova no sexto ano e, se ele sentir que não está preparado ou que ainda vai evoluir ao longo do tempo até a prova oficial de residência, que é novembro e dezembro, talvez ele use essa nota, talvez ele faça o Enare ou outro tipo de concurso de residência médica", esclarece Alcindo Cerci.

Alcindo Cerci, do CFM: "Aparentemente, o MEC e o Ministério da Saúde nos escutaram"
Alcindo Cerci, do CFM: "Demanda antiga da categoria" (foto: Divulgação)

Segundo o coordenador, o exame obrigatório pode até motivar maior dedicação dos estudantes, mas não garante melhorias reais na avaliação institucional. "O que talvez possa acontecer é que o estudante possa se dedicar mais para fazer a prova do Enamed, porque ele sabe que vai utilizar aquela nota para algo. No entanto, o objetivo do Enade é avaliar a qualidade da instituição (de ensino). Então, serão criados cursinhos para que o aluno faça um Enamed bom, não porque ele vai avaliar a instituição, mas porque ele quer a nota para ar no Enare. Por isso, eu não vejo que isso seja um ciclo completamente virtuoso."

Demanda antiga

Apesar dos questionamentos envolvendo a eficiência do procedimento, "que devem ser debatidos pela sociedade", Cerci também reconhece que a criação do exame atende a uma demanda antiga da categoria. "Nós estamos muito felizes em relação a esse novo exame. Por 20 anos, o Conselho Federal de Medicina vem dizendo que temos médicos malformados, temos abertura de muitos cursos de medicina e que a população está em risco. E, aparentemente, o MEC e o Ministério da Saúde nos escutaram e estão tentando implementar algo que, no futuro, possa melhorar."

Para ilustrar a gravidade do atual cenário, ele cita dados do Enade 2023: "Nós formamos 7.373 médicos que vieram de instituições que tiveram nota 1 e 2. Ou seja, instituições que deveriam ser fechadas. E esses estudantes entraram no mercado de trabalho como médicos. Isso foi somente a avaliação de 305 cursos de medicina em 2023. Hoje, nós temos 440, quase 150 a mais abertos, principalmente, em faculdades particulares, sem campo de estágio adequado."

O problema se agrava diante do aumento recorde no número de médicos no país. Segundo o levantamento Demografia Médica 2023, o Brasil ultraou a marca de 600 mil médicos em atividade — um crescimento de 117% nas últimas duas décadas. Para o CFM, esse avanço numérico não foi acompanhado por investimentos estruturais compatíveis em formação, fiscalização e qualidade assistencial, o que pode representar um risco à saúde da população. "Imagina fazer uma prova no sexto ano, e que você, ando ou não ando, tirando nota alta ou baixa, em dois, três meses depois, continua sendo médico. Esse é o ponto que a gente precisa discutir", destaca Cerci.

"OAB da medicina"

Segundo a Agência Senado, com o Projeto de Lei n° 2.294/2024, de autoria do senador Astronauta Marcos Pontes (PL/SP), "os médicos só poderão se registrar no Conselho Regional de Medicina (CRM) se forem aprovados no Exame Nacional de Proficiência em Medicina, sendo dispensados os já inscritos no CRM e os alunos que tiverem ingressado no curso antes da vigência da lei". No momento, o projeto aguarda audiência na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) da Casa.

Embora o CFM defenda a criação do Exame Nacional de Proficiência em Medicina como etapa obrigatória após a graduação, a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp), unidade do MEC, entende que o Enamed representa um instrumento eficaz para o fortalecimento da formação médica, desde que respeite as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e as especificidades de cada instituição.

A secretaria também se posiciona contra a proposta em tramitação no Congresso que prevê a aplicação de um exame adicional, nos moldes de uma "OAB da medicina". Na avaliação do órgão, a medida reforça uma lógica punitiva, sobrecarrega os estudantes e não contribui efetivamente para melhorar a qualidade da formação ou da assistência em saúde.

Especialistas

Augusto Coelho, sócio-fundador do grupo MedCof, que oferece cursos extensivos e programados para residência médica e especialização, enxerga o exame como uma oportunidade de padronizar a avaliação da formação médica. "O Enamed vai resolver um problema importante, o de avaliar se os alunos das faculdades de medicina de todo o Brasil atendem a requisitos de aprendizado, e vai nos permitir estudar melhor como esses alunos retêm as diretrizes curriculares esperadas na medicina. O impacto do Enamed pode ser maior e proporcional à aderência de novas instituições, e nesse sentido pode facilitar o o à residência, principalmente, em vagas vacantes com grande interesse ao SUS."

Osvaldo Sampaio, professor coordenador do curso de medicina na UCB
Osvaldo Sampaio, da UCB: "Vantagem para todos" (foto: Patricy Albuquerque)

Nesse sentido, o coordenador do curso de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB), Osvaldo Sampaio, acredita que o exame é um grande o em termos de melhorar tanto a qualidade dos cursos quanto a disposição do aluno em realizar essa avaliação. "O fato de ser anual permite que os cursos que têm um bom rendimento mantenham esse desempenho e que cursos que apresentarem um rendimento menor possam fazer correções. É uma vantagem para todas as instituições", acredita.

Na Universidade de Brasília, o professor Geraldo Magela Fernandes, também coordenador do curso de medicina, encara a medida como um avanço importante, mas observa lacunas no modelo. "O Enade, que a gente tem hoje, não consegue avaliar todas as competências envolvidas, nem dos estudantes nem dos cursos. Então, eu vejo com bons olhos esse projeto do Enamed, mas ele ainda não é pleno, não avalia os cursos como um todo, e também não resolve o problema da formação profissional ruim. Se a gente garantisse que todo médico brasileiro asse por um programa de residência, seria uma evolução exorbitante na qualidade da formação", pontua o docente.

Professor coordenador do curso de medicina da UnB
Geraldo Magela, da UnB: "Exame ainda não é pleno" (foto: Geraldo Fernandes)

Popularização

Entre os estudantes, há expectativas de que o Enamed contribua para uma formação médica mais sólida. Lucas Teles, 23 anos, cursa o 11º semestre de medicina na UnB e acredita que o debate sobre qualidade deve estar atrelado à equidade na distribuição de profissionais. "A gente tem poucos médicos nas regiões periféricas e muitos médicos na região central."

 30/04/2025. Ed Alves CB/DA Press. Trabalho e Formação Profissional. Na foto, Lucas Teles.
Lucas Teles, 23 anos, no 11º semestre do curso na UnB, defende uma melhor distribuição de profissionais (foto: Ed Alves CB/DA Press)

Lucas também acredita que a residência, mesmo sendo um processo opcional, tornou-se uma etapa quase obrigatória para egressos. "Hoje, é cada vez mais necessária a residência para o médico recém-formado. Fora isso, ele vai ter somente a formação da graduação. Então, a gente precisa que essa formação seja boa, porque, de qualquer forma, ele vai estar no mercado de trabalho, vai ser o responsável pela vida do paciente."

Para Julia Rodrigues, aluna do 7º semestre de medicina na UCB, o Enare se consolidou como objetivo para quem planeja seguir na residência. "Eu acho que é o mais falado, o que o povo mais foca, inclusive, eu", compartilha. De acordo com Osvaldo, apesar de o ingresso nas residências não ser facilitado, o concurso deve se popularizar ainda mais com o novo programa:  "Acho que existe uma tendência das residências aderirem ao Enare, o que também fortalece a avaliação do Enamed."

Julia Rodrigues, estudante do 6° semestre de medicina na UCB
Julia Rodrigues, estudante do 7° semestre de medicina na UCB, quer ingressar na residência pelo Enare (foto: Samuel Paz)

*Estagiário sob a supervisão de Marina Rodrigues

"OAB da medicina"

» Conforme o Projeto de Lei n° 2.294/2024, de autoria do senador Astronauta Marcos Pontes (PL/SP), os médicos só poderão se registrar no Conselho Regional de Medicina (CRM) se forem aprovados no Exame Nacional de Proficiência em Medicina, sendo dispensados os já inscritos no CRM e os alunos que tiverem ingressado no curso antes da vigência da lei. No momento, o projeto aguarda audiência na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) da Casa.

Fonte: Senado

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