Entrevista

PEC das Domésticas: presidente do TST relata avanços na regulamentação da profissão

Ministro Aloysio Corrêa da Veiga defende atualidade da CLT e valorização do trabalho. Para isso, é preciso jornada, remuneração e reconhecimento

Aloysio Corrêa da Veiga  -  (crédito: Fellipe Sampaio/Secom TST)
Aloysio Corrêa da Veiga - (crédito: Fellipe Sampaio/Secom TST)

No dia 1º de junho, serão completados 10 anos da regulamentação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das Domésticas. A texto, aprovado em 2013 e regulamentado em 2015, por meio da Lei Complementar 150/2015, foi um marco para os empregados domésticos no Brasil. Com isso, esses trabalhadores ganharam direitos como: jornada definida, horas extras, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego e outros benefícios essenciais.

A partir da evolução das formas de trabalho e suas tecnologias, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Nacional da Justiça do Trabalho (CNJT), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, explicou ao Correio os riscos da “uberização”, que tem se tornado comuns nos dias de hoje. Trabalhadores, sem o a direitos trabalhistas tradicionais, expõem-se a jornadas exaustivas e, muitas vezes, perigosas, para conseguirem ter seu sustento ou complementação da renda. Para o presidente do TST, é necessária uma regulamentação que disponibilize, aos trabalhadores de aplicativos, o à Previdência Social, seguro de acidente e uma remuneração mínima.

Confira, abaixo, a entrevista com o magistrado:


aram-se 10 anos da PEC. Como o senhor enxerga o cenário atual? 

O trabalho dos empregados domésticos representa a evolução de uma história que aconteceu no país. Apenas em 1972, com vigência a partir de 1973, houve a primeira legislação para regular o trabalho doméstico. Até então, não havia direito algum. E o trabalho doméstico de hoje é um sucessor, porque começa a regulação do Brasil com o regime escravagista. Nós tivemos um regime escravagista desde o descobrimento até 1889. As casas dos senhores eram habitadas pelos escravos, que faziam os serviços domésticos. Depois, com a abolição da escravatura, eles continuaram nas casas, porque, no momento em que acaba a escravidão, a maioria não tinha para onde ir. Em 1973, começa a regulação do trabalho doméstico, mesmo assim, sem jornada de trabalho. Havia o salário mínimo, as férias anuais remuneradas, mas, diferentemente do trabalhador comum, as férias de um empregado doméstico eram de 20 dias. Apenas com a Lei Complementar 150 é que a empregada doméstica teve o direito reconhecido, porque, em 1988, a Constituição trouxe avanços na regulação ou no reconhecimento de direitos e, de fato, o reconhecimento da atividade. Apenas com a Lei Complementar é que se consagraram todos os demais direitos. 

O Ministério do Trabalho e Emprego mostrou queda de 18,1% no número de vínculos formais. Ao que o senhor atribui esse fato? 

O contrato formal de trabalho está mudando. Nós temos visto, hoje, o emprego doméstico dentro das cidades começar a ser substituído por aquele trabalho eventual, ou seja, aquele que não é diário: os diaristas. E isso cai na informalidade, até o reconhecimento da jurisprudência dos tribunais, no sentido de reconhecer o trabalho da diarista, que não tem vínculo de emprego. E a informalidade é uma constatação não só no trabalho doméstico, mas no trabalho de um modo geral. 

A informalidade se dá pelo aumento dos encargos ou pela falta de fiscalização? 

Eu acho que é uma mudança cultural. Uma quantidade muito grande de trabalhadores domésticos prefere pulverizar o trabalho para mais de um tomador de serviço, porque o rendimento é maior, embora isso não queira dizer que seja o ideal, porque o ideal é o reconhecimento formal do vínculo. A legislação atual é suficiente para resolver essa questão? Nós temos, por hábito, sempre condenar a legislação como sendo inadequada ao momento. Não me parece. A legislação é capaz de regular esse tipo de atividade. O que é preciso é a economia. Para eu ter uma maior quantidade de formalização no emprego doméstico, eu preciso de capital para poder pagar. 

Há quem diga que a Consolidação das leis do Trabalho (ClT), por ter 82 anos, está atrasada. O senhor concorda? 

A questão é a seguinte: a CLT é um instrumento, uma legislação que regula o trabalho de um modo geral. A questão maior é o chamado direito do trabalho. O que é o direito do trabalho e o que isso representa. 

 

A própria Constituição diz que é princípio fundamental do Estado brasileiro a valorização do trabalho e a livre iniciativa. Por quê? 

Os dois andam juntos. Para eu ter um trabalho valorizado, eu preciso ter livre iniciativa, que é para produzir. Então, eu preciso de produção, escoamento dessa produção. Se houver produção, haverá consumo. Se houver produção, haverá emprego. E precisamos também ter condições de expandir nossa produção. E, havendo isso, a CLT é um documento social ainda atual. Nós precisamos valorizar o trabalho. 

De que maneira? 

Reconhecendo sua dignidade. Então, o trabalho precisa ter jornada, remuneração, reconhecimento. Essas questões estão todas tratadas na CLT. Ano ado, o Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 19 pessoas do trabalho análogo à escravidão. 

Como combater esse crime? 

Esse tipo de trabalho é uma chaga. Nós não podemos itir isso em pleno século 21. E nós temos isso não só no emprego doméstico, mas em outras atividades.

Muitos trabalhadores domésticos sofrem com longas jornadas. Qual é a opinião do senhor sobre a escala 6x1? 

A Constituição, em 1988, estabeleceu uma jornada de 44 horas semanais, que seria o 6x1, com oito horas por dia e quatro horas no sábado. O mundo está evoluindo também e nós tivemos variações dessa jornada, como a 12 por 36: trabalhar 12 horas num dia e folgar 36 horas, como acontece no caso dos vigilantes. Em algumas atividades em que era impossível haver o descanso diário, os embarcados, por exemplo, das plataformas da Petrobras trabalhavam 14 dias embarcados e folgavam 16 dias. É claro que, nesses 14 dias, não vão trabalhar 24 horas direto, mas estão embarcados, estão à disposição. Então, o que ocorre é o seguinte: a jornada 6x1, seis dias de trabalho por um de descanso, estaria dentro do princípio da Constituição, da jornada máxima de 44 horas semanais. O mundo está flexibilizando isso e reduzindo a jornada. 

Em outros casos, o trabalhador doméstico fica horas no transporte até chegar à casa em que trabalha… 

Hoje, já está havendo uma mudança grande, mas no trabalho doméstico, normalmente, o trabalhador reside no local de trabalho. Agora, em São Paulo, o trabalhador, às vezes, leva três horas no trânsito para ir e mais três para voltar. Ou no Rio de Janeiro, um camarada trabalha em Copacabana e vai para a Zona Oeste, não à Barra, mas a Marechal Hermes, e enfrenta a Avenida Brasil num ônibus lotado. Então, trabalha oito horas, uma hora de intervalo para o almoço. Só aí, já viu: são 15 horas. 

Como o senhor acha que isso pode ser resolvido? 

A questão é a facilidade de locomoção. Eu não posso colocar como tempo à disposição do empregador o tempo de locomoção, porque, com isso, eu posso ter uma redução do emprego, da empregabilidade. Mas, com relação à jornada de trabalho, isso vai depender da atividade. Isso tem que partir de um grande diálogo social, chamado negociação coletiva.

Em 2017, houve a liberação total da terceirização. Isso precarizou o trabalho? 

A terceirização é exatamente a mudança do núcleo da prestação de serviço, que era feita diretamente pelo tomador com relação ao prestador. A terceirização é isso: vir uma terceira pessoa para fazer parte desse universo. 

Qual é a parte dessa terceira pessoa? 

Ela é quem fornece para mim a mão de obra da qual eu preciso. E isso, naturalmente, criava uma lacuna na lei. E, havendo uma lacuna na lei, quem regula é o Poder Judiciário. No caso, a Justiça do Trabalho. E, com isso, ela trouxe, na sua atuação e na uniformização da jurisprudência, a Súmula 331, que diz o seguinte: “Olha, a terceirização é válida, porque é uma atividade”. Por exemplo: limpeza e conservação, vigilância e transporte; então vinha uma lei especial regulando, como a de serviços de conservação, porque, em muitas empresas, a atividade principal não permitia que ela se dedicasse a isso. E assim por diante. Mas a terceirização foi aumentando, porque determinadas atividades necessitavam de especialização, de qualidade. Aí nós entendemos, na época da Súmula 331, que era irregular a terceirização da atividade-fim. Isso porque ninguém terceiriza o presidente da companhia. Então, essa terceirização teve um aumento muito grande. A própria Reforma Trabalhista itiu, por força da negociação coletiva.

O Brasil tem cerca de 13 milhões de trabalhadores terceirizados.  É necessário algum tipo de regulamentação? 

A terceirização não é algo demoníaco. O que não pode haver é precarização. O Brasil tem 200 milhões de habitantes. É preciso que haja o pleno emprego. Tem gente na informalidade que não tem emprego. É um absurdo. O que não pode haver é a precarização dos salários e da garantia da dignidade. Se a gente respeitar isso, pode terceirizar à vontade. 

Qual é a opinião do senhor sobre a “uberização”? É necessária uma regulamentação? 

É um fato. E esse fato precisa de regulamentação. É preciso haver regulamentação para que não haja precarização. Qual a regulamentação mínima? Eu não quero saber se é empregado, se não é empregado. Isso é uma opção legislativa, uma opção também de trabalho. Mas precisa ter a Previdência Social recolhida não só pelo prestador de serviço do aplicativo, mas também pela plataforma, que é compartilhada. Se a pessoa se acidenta, fica doente, não pode trabalhar, recebe uma pensão para poder sustentar a família, que, normalmente, fica sem amparo. Todo mundo tem que contribuir, porque se não, um dia alguém vai ter que pagar pela pessoa que nunca contribuiu, porque isso é compartilhado e contributivo. E a outra questão é o acidente, porque pode tornar a pessoa inválida. Hoje, morrem dois motoqueiros por dia em São Paulo. Então, nós temos a questão da Previdência Social, que acolhe o infortúnio. É preciso ainda que tenha um seguro de acidente. E uma remuneração mínima. Para que não haja exploração absoluta. 

Ao negarem uma corrida de aplicativo, os motoristas/ entregadores perdem em avaliação…

Ele é desconectado. Essa é a regulação que precisa. 

O cooperativismo de plataforma é uma alternativa mais justa e digna para o trabalhador?

Não é a forma que vai definir. A cooperação é algo fantástico no mundo da atualidade, mas é preciso que haja cooperação, coparticipação, compartilhamento. Muito se diz sobre “ser o próprio patrão”. 

Na uberização, isso acontece mesmo? 

Na realidade, não é patrão, é ter autonomia de trabalho. A modalidade de trabalho pode ser exercida de diversas formas. Nós temos, por exemplo, pessoas que vão ser motoristas de aplicativos nas horas vagas. A pessoa sai do trabalho e vai fazer um extra. Aí pega o carro, se matricula no aplicativo e vai prestar o serviço. Outros, “Ah, vou trabalhar apenas nos fins de semana, nas férias”. Então, é preciso analisar essa estrutura toda. É verdade, quando eu me vinculo, mesmo com autonomia, a uma atividade, eu tenho regras a seguir. 

*Estagiário sob a supervisão de Maria Teresa Silva

postado em 25/05/2025 15:44 / atualizado em 25/05/2025 16:02
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