
KADU NIEMEYER, do Escritório de Arquitetura e Urbanismo Oscar Niemeyer e fotógrafo
Aprendi com o meu avô Oscar Niemeyer (1907- 2012), o Dindo — era assim que os netos o chamavam —, que "a vida é um sopro". Eu tinha 6 anos quando minha família saiu do Rio de Janeiro e fomos morar em Brasília, na recém-inaugurada capital, que recém completou 65 anos.
Fui acumulando memórias porque, durante 54 anos (desde 1971, quando o acompanhei em seu exílio voluntário na França, no período da ditadura militar brasileira), trabalhei com ele em Paris, sendo que iniciei fotografando as maquetes dos seus projetos.
Essa convivência intensa, profissional e familiar, serviu para que ele me contasse bastidores ocorridos durante a construção de Brasília. Foi em 1957 que o presidente Juscelino Kubistchek o procurou na Casa das Canoas, no Rio, onde morávamos. Queria construir Brasília, e, como ocorreu com a Pampulha, em Belo Horizonte, na década de 1940, desejava a sua colaboração.
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JK lhe disse que pretendia criar uma capital moderna, "a mais bela do mundo". Na primeira viagem que JK fez ao Planalto Central, ele o acompanhou e não teve boa impressão do lugar, "longe de tudo, um terreno vazio". Mas o entusiasmo de JK e o objetivo de levar o progresso para o centro do Brasil eram tão válidos que acabou concordando. Na ocasião, o ministro da Guerra, o general Lott, perguntou: "Oscar, os prédios do Exército serão modernos ou clássicos?". Ele respondeu: "Numa guerra, o senhor prefere armas modernas ou clássicas?" O militar sorriu.
Meu avô Niemeyer dizia que não foi fácil trabalhar em Brasília. O projeto do Congresso Nacional foi elaborado sem ter uma ideia de como aumentaria o número de parlamentares. "Tudo rápido era a palavra de ordem". O projeto foi iniciado com ele indo ao Rio de Janeiro com o objetivo de dimensionar o Congresso da então capital federal para, multiplicando a área estimada e os setores existentes, iniciar os desenhos. Isso explica os prédios anexos depois construídos.
Quando impam o parlamentarismo para limitar os poderes do presidente João Goulart em 1961, o hall do Congresso ficou coberto de novas salas e novos gabinetes, pedindo uma solução. Ele queria defender a arquitetura do Palácio, e o jeito foi aumentar a largura em 15 metros. A vista da Praça dos Três Poderes que do antigo salão se descortinava desapareceu, mas a arquitetura externa do Palácio foi preservada com tanto apuro que ninguém percebe.
O primeiro projeto iniciado foi o Palácio da Alvorada, cuja localização ainda não fora fixada pelo Plano Piloto. Como tudo era urgente, Niemeyer saiu caminhando pelo Cerrado, com o capim batendo em seus joelhos, para procurar o melhor local. Outras recordações familiares que me remetem ao Palácio Alvorada é que minha mãe, Anna Maria, única filha dele, decorou esse Palácio e criou alguns móveis de lá.
Posteriormente, ele e sua equipe estudaram o Eixo Monumental, iniciando o projeto pela Praça dos Três Poderes, que incluía o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O Congresso Nacional está sob pressão para aprovar o projeto de lei que propõe anistia para os condenados do 8 de janeiro de 2023, que entrou para a história como tentativa de golpe de Estado, quando vândalos se autointitulando "patriotas" depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF, projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
As imagens de terror foram gravadas pelos criminosos e postadas nas redes sociais, chocando o país e a mim duplamente, como brasileiro e como neto dele. Fui tomado por um sentimento de indignação e, ao mesmo tempo, alívio por ele não estar mais aqui para ver esse brutal ataque ao patrimônio público, a suas obras-primas. Naquele momento, fiz o juramento de levar adiante o seu legado, principalmente seus ideais humanitários.
Niemeyer era um democrata e se revoltava ao ver a pobreza se multiplicar. Dizia que "a arquitetura é injusta, só servindo aos poderosos". É com essa responsabilidade que estou me dedicando a alguns projetos. Um deles é a produção de um livro de fotografia junto com uma exposição com as imagens das suas obras em Brasília, Belo Horizonte, e as 10 maquetes dos seus projetos inéditos que serão construídos em Maricá, no Rio de Janeiro.
Fico imaginando o que diria meu avô Niemeyer ao assistir as imagens dos golpistas depredando as obras que ele projetou com tanto entusiasmo e amor ao Brasil.
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