
RAUL JUNGMANN, ex-ministro da Reforma Agrária, da Defesa e da Segurança Pública, ex-presidente do Ibama e atual diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)
A recente visita do presidente Lula à China é muito mais do que o pacote da ordem de 27 bilhões de dólares que rendeu ao Brasil, por ora. É o desfecho de uma paciente estratégia dos chineses, pelomenos desde 2005, e que até 2021, registrou investimentos de 141bilhões de dólares na América Latina.
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O Brasil não estava só. A programação se deu no do fórum China-Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que reuniu outros chefes de Estado latinos, em Pequim. Para o anfitrião, Xi Jinping, a consolidação das relações que seu país constrói com paciência chinesa na região.
O estágio atual dessa construção coloca a China na liderança da disputa por reservas minerais que está no topo da agenda geopolítica global. Por isso, recente relatório encomendado pelo parlamento europeu para orientar suas decisões legislativas, define a América Latina como um "campo de batalha" entre Estados Unidos, China e Europa na disputa por minerais estratégicos.
Ao mesmo tempo em que sublinha a grande dianteira chinesa na disputa que, hoje, orienta a geopolítica mundial, o relatório a atribui a uma visão estratégica antecipada, em contraste com a negligênciadas demais potências em relação à América Latina. O que abreoportunidade histórica ao Brasil.
De fato, em apenas duas décadas, como registra o jornal Valor Econômico,a China ou de um ator insignificante a uma força dominante na América Latina, com participação de 16,9% no comércio total da região com o mundo, ultraando a União Europeia (UE) — participação de 10,7% —, embora permaneça atrás dos Estados Unidos (37,3%)pelos dados de 2023.
O que se extrai disso é a importância de uma política pública de longo prazo, que fala sobretudo para nós, do Brasil, que insistimos em confirmar que não perdemos a oportunidade de perder oportunidades.
A Europa também se move. Travado por décadas, o acordo com o Mercosul andou após a constatação da emergência da corrida pelos minerais, como atestou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, por ocasião da celebração do acordo, quando o vinculou à potência mineral dos países da América do Sul.
Esse quadro reforça a oportunidade que a guerra tarifária entre EUA e China representa para o Brasil, que surge como alternativa natural para as duas potências, dada a privilegiada condição de nossas reservas — de níquel, lítio, nióbio, grafite e terras raras, entre outras.
Não só: outros países, como os da União Europeia, buscam parceiros comerciais considerados mais estáveis para garantir suas cadeias produtivas. Além disso, existe a perspectiva de empresas de todo o mundo ampliarem cada vez mais seus investimentos no Brasil.
O cenário é promissor, mas nosso entusiasmo é contido, porque ainda não priorizamos as medidas estratégicas para sairmos da posição de fornecedores de matéria-prima, como ocorre no caso de outros produtos que caracterizam o país como eterno vendedor de commodities.
O Brasil assiste, há alguns anos, a esse enredo, sem demonstrar senso de urgência proporcional ao movimento global. Enquanto ensaia os primeiros os — na verdade, arrastado pelos fatos —, exibe mais debates do que ações objetivas no plano interno para se capacitar aos investimentos, agregando valor à sua produção, para consolidar oprotagonismo que lhe está reservado na cena geopolítica atual.
Dos mais recentes fóruns nos quais o país se fez representar pela sua iniciativa privada e pelo governo, dentro e fora de seu território, extraíram-se dois consensos: somos a bola da vez, com umaoportunidade singular de protagonizar esse novo contexto mundial, mas não fizemos o dever de casa.
Órgãos essenciais, como a Agência Nacional de Mineração, o Centro deTecnologia Mineral (Cetem) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB), não mereceram ainda a reestruturação necessária para que desenvolvam os trabalhos indispensáveis de mapeamento, pesquisa e regulação.
O Congresso Nacional consome suas energias com a polarização ideológica, enquanto procrastina o exame de uma Política Nacionalde Minerais Estratégicos, para a qual recebeu dezenas de sugestões, inclusive, de intermediários de governos como o dos Estados Unidos,empenhados em evoluir nas negociações com o Brasil.
Estamos, portanto, com as prioridades erradas, sem foco principal no que, hoje, é o mais relevante, a ponte para a inserção do país em umanova economia, para a qual temos tudo de que o mundo precisa.
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