
Os 65 anos comemorados por Brasília hoje não a tornam uma cidade velha, pelo contrário. Entre as 27 capitais, Brasília é a terceira mais populosa do Brasil, com seus quase 3 milhões de habitantes — perde apenas para São Paulo e Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, a capital federal, entre as outras capitais, é apenas a segunda mais nova do Brasil — perde apenas para Palmas (TO), inaugurada em 1989. A tenra idade e o grande número de pessoas, contudo, refletem um fenômeno inusitado: ainda são poucos os "filhos de Brasília".
A expressão, que aprendi com uma professora de geografia na 5ª série em uma escola pública de São Sebastião, se refere àqueles que nasceram em Brasília. Na época, há uns 20 anos, foi a primeira vez que percebi que ser "filho de Brasília" era uma característica que nem todos os coleguinhas tinham.
Conforme o ar do tempo, os amigos de ensino médio e graduação iam ganhando apelidos relacionados à naturalidade. Era um tal de "carioca" pra lá, um "baiano" pra cá. Inúmeros "gaúchos". Nos corredores da Universidade de Brasília (UnB), a nacionalidade substituiu os apelidos de referência estadual.
Ser "brasiliense", de certa forma, me fazia sentir excluído na minha própria cidade. Não sabia responder qual era a comida típica da cidade, os times locais não estavam na Série A, meu sotaque não tinha uma característica marcante — com exceção do recorrente "vei".
As primeiras gerações dos "filhos de Brasília" aram por momentos de confusão com as raízes da cidade. Mas não foi tudo ruim. De certa forma, foi o melhor que poderia ter acontecido.
Ao longo da vida, aprendi que a cultura brasiliense é mais criada do que ada de pai para filho. É uma espécie de cultura metafísica, que ainda não pode ser ensinada. Algo abstrato para alguns sentidos, mas também muito concreto para a visão. Ser brasiliense ainda não é algo ado entre gerações.
Aprendi a trocar a ausência de um sotaque marcante pela vivência de lugares que só eu, como brasiliense, conheço na cidade. Sem um rebuscado prato típico, aprendi a apreciar um pastel de palmito com caldo de cana no Parque da Cidade. Tenho meu senso de direção quase como um superpoder, afinal, quem mais nesse país conseguiria fazer uma tesourinha quase de olhos fechados além de um brasiliense?
E fui além: vi os defeitos da cidade. A assustadora diferença socioeconômica que divide Brasília de uma forma tão violenta. A dificuldade de locomoção (que não são curadas com agens gratuitas). Os os bloqueados. Essa é a parte mais profunda de qualquer cultura. Isso é o que torna a capital um lugar tão real, apesar da tenra idade e os milhares de habitantes entrando e saindo a cada quatro anos.
Ser "filho de Brasília" foi uma verdadeira honra. Daqui a alguns anos, os brasilienses terão características únicas, entre tantas que formam o nosso país. Isso será ótimo para a identidade deles. Mas, lá no fundo, nada terá sido melhor do que descobrir as raízes de Brasília. De ter estado lá quando poucos estavam.