
Criada em 1943, durante o governo de Getúlio Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula as atividades laborais por meio do estabelecimento de garantias e deveres para empregadores e funcionários. Apesar dos benefícios, a legislação, que completou 82 anos na última quinta-feira (1°/5), ou a ser alvo de críticas entre crianças e adolescentes, que associam as determinações legais à falta de autonomia e à exploração do trabalhador.
Exemplo desse fenômeno foi um caso exposto nas redes sociais pela influenciadora Fabiana Sobrinho, mais conhecida como Fabi Bubu, que relatou, em vídeo, o preconceito da filha de 12 anos e outros jovens em relação ao regime de carteira assinada. "Tenho medo de andar de ônibus todo dia, muita gente, chefe mandando", disse a menina.
Para Fabiana, os jovens veem o modelo CLT como sinônimo de pobreza. "Obviamente, ninguém quer trabalhar das 8h às 6h e ainda pegar condução (pública), mas, no sistema em que a gente vive, é necessário. Empreender não é o caminho convencional. Vocês, jovens, precisam saber a importância dos direitos trabalhistas, porque ser CLT é ter direitos assegurados", defendeu, na publicação.
Motivações
Especialistas apontam as redes sociais, a busca por autonomia e flexibilidade, condições precárias de trabalho e a percepção da falta de retorno dos benefícios como fatores que explicam o fenômeno anti-CLT. Para a advogada trabalhista Rithelly Eunilia Cabral, a definição de horários, local fixo de trabalho e hierarquias pode ser desestimulante para a nova geração, que cresceu em meio à tecnologia e suas facilidades.
"A CLT impõe uma rotina mais rígida, o que pode soar como 'engessado' pelos jovens. Nas redes sociais, influenciadores promovem um estilo de vida mais livre e lucrativo, influenciando os adolescentes a verem o empreendedorismo, o 'freela' e o 'ser dono do próprio negócio' como metas mais desejáveis", afirma Rithelly.
Além da rigidez da legislação, condições de trabalho inadequadas podem levar ao preconceito contra o regime CLT, como jornadas de trabalho exaustivas, burnout, assédio moral, salários baixos, falta de reconhecimento e de flexibilidade e transporte público ineficiente ou trânsito. "As consequências disso podem ser devastadoras, porque a mão de obra em alguns ramos está cada vez mais difícil, impactando no futuro do mercado", declara a advogada do trabalho Elaine Santos.
De forma complementar, a advogada especialista em direito empresarial Bruna Zanini aponta como entrave o alto custo para o empregador, o que não se reverte em ganhos para o funcionário. "A empresa gasta muito para contratar e manter o colaborador, mas esse valor é corroído por impostos e encargos que não retornam como benefícios percebidos. Com isso, cresce a informalidade e o desejo por modelos mais flexíveis", ressalta.
Garantias
A legislação trabalhista tem papel fundamental na garantia da segurança e da estabilidade do trabalhador e na regulação das relações de trabalho. Pela CLT, os funcionários têm direito à proteção em caso de doença ou acidente laboral, jornada máxima de 8 horas diárias e adicional por horas extras, descanso semanal, 13° salário, licença-maternidade ou paternidade, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, aposentadoria e outros benefícios, que não são assegurados a trabalhadores autônomos ou informais.
Na visão de Rithelly Cabral, as leis trabalhistas conferem dignidade às relações de trabalho, proporcionando um ambiente profissional justo e seguro: "Mesmo com os desafios e mudanças no mercado de trabalho, a CLT reforça a valorização do trabalhador como cidadão".
Mudanças nas leis trabalhistas ao longo dos anos
1943: Criação da CLT
1952: Lei da igualdade salarial, sem distinção de sexo, nacionalidade e idade
1955: Adicional de periculosidade de 30% ao valor do salário
1962: Criação do 13° salário
1966: Criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)
1977: Direito às férias na CLT
1990: Criação do seguro-desemprego
2008: Lei de Estágio
2017: Reforma Trabalhista, com o fim da contribuição sindical obrigatória e alterações na jornada de trabalho
Informalidade
De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada em fevereiro deste ano, 38,3% do total de trabalhadores no país não tinham carteira assinada ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) até o fim de janeiro, o que representa 39,5 milhões de brasileiros na informalidade.
Para a advogada Rithelly, a falta de um registro formal de trabalho é preocupante, deixando os funcionários vulneráveis a situações de instabilidade e insegurança financeira, além de contextos precários e dificuldade de o a créditos sociais e qualificação profissional. "Embora a informalidade possa parecer vantajosa em alguns aspectos, ela é prejudicial a longo prazo", diz.
Além da falta de proteção jurídica, Elaine Santos chama atenção ao fato de que um emprego sem CLT afeta diretamente a aposentadoria do colaborador, cujo tempo de contribuição não será contabilizado. Com a recente onda de jovens que rejeitam o modelo CLT, ela acredita que o número de trabalhadores informais possa crescer, por isso, defende a diminuição de impostos sobre as atividades laborais e políticas que valorizem os funcionários.
"São importantes uma maior fiscalização sobre a jornada de trabalho, salários mais atrativos e plano de carreira, no qual o trabalhador possa evoluir e saiba quais são os ganhos", afirma. Rithelly Cabral complementa falando do incentivo à formalização, do o facilitado a créditos e à capacitação e da adaptação das leis às dinâmicas do mercado.
Divergência
Apesar do fenômeno anti-CLT entre os jovens, nem todos os adolescentes pensam nesse regime de forma negativa. Esse é o caso dos estudantes Geovana Vida, 17 anos; Lucas Romano, 15; e João Gabriel da Silva, 15. Filha de mãe professora e pai funcionário da Polícia Federal, ambos amparados pelas leis trabalhistas, Geovana conta que é incentivada, em casa, a ter um emprego com registro formal e, também, na escola, onde estuda questões sobre mercado e direitos trabalhistas.
Para ela, que tem o sonho de fazer faculdade de direito, ser CLT é um caminho positivo por garantir direitos trabalhistas. "Minha mãe já foi muito prejudicada quando trabalhou sem carteira assinada, porque não tinha como provar que contribuiu. Então, a lei é importante, porque protege o trabalhador", relata.
Diferentemente do que pensa, Geovana percebe colegas e amigos que não têm interesse no modelo CLT, mas acredita que essa visão deve ser superada, considerando importante adquirir experiência no mercado desde cedo, com programas de jovem aprendiz, por exemplo. "Querendo ou não, você vai ter que pegar ônibus e responder ao chefe; isso é parte da vida. Trabalhar como CLT é bom e pode trazer muitos aprendizados", compartilha.
Assim como ocorre com Geovana, os pais de Lucas, também amparados pela legislação, mantêm um diálogo sobre a importância dela: "Meu pai, diariamente, me fala para eu conseguir um bom emprego, que seja seguro e bem organizado". No futuro, Lucas quer seguir carreira em informática, percebendo que a CLT traz segurança não só para o trabalhador, mas para o empregador. "Com a lei, o patrão é obrigado a pagar o funcionário pelo serviço, por exemplo, e mesmo o dono de uma empresa vai precisar contratar colaboradores CLT", expõe.
João Gabriel, que quer fazer medicina ou agronomia, conta que tem pesquisado bastante sobre garantias trabalhistas estabelecidas pela lei e acredita que outros jovens contrários à CLT devem "pensar mais sobre o que querem antes de optar pelo trabalho autônomo ou informal, que traz insegurança."
Demandas
Segundo Getulio Cruz, diretor no Centro de Ensino do Cruzeiro, onde Geovana, Lucas e João Gabriel estudam, a percepção negativa de muitos jovens sobre a CLT é um problema, se questionado sobre "como eles vão se inserir no mercado de trabalho se não aprovam a lei?". Por isso, ele ressalta que "os estudantes devem ser orientados sob uma perspectiva de futuro e de escolhas, o que não exclui a proteção trabalhista legal."
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Para tornar o regime CLT mais atrativo para crianças e adolescentes, a advogada Bruna Zanini destaca que é essencial dialogar com eles sobre os modelos possíveis de trabalho, seus prós e contras, além de ouvi-los e adaptar a legislação conforme as demandas da nova geração. "O caminho não é impor a CLT como única alternativa, mas propor reformas que atendam aos seus anseios", diz. Rithelly Cabral sintetiza: "Trata-se de valorizar o trabalho com carteira assinada e mostrar seus benefícios, aliando segurança à flexibilidade."
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá