MEIO AMBIENTE

Projeto que facilita licença ambiental é retrocesso, diz professor da UnB

Reuber Brandão disse que a proposta é "a verdadeira ada da boiada na legislação ambiental nacional"

É por meio do licenciamento ambiental que o poder público autoriza a instalação, ampliação e operação de empreendimentos que utilizam recursos naturais ou podem causar impacto ao meio ambiente -  (crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)
É por meio do licenciamento ambiental que o poder público autoriza a instalação, ampliação e operação de empreendimentos que utilizam recursos naturais ou podem causar impacto ao meio ambiente - (crédito: Joédson Alves/Agência Brasil)

O projeto que estabelece a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que reúne normas a serem seguidas pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente e uniformiza os procedimentos para emissão de licença ambiental em todo o país, foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e será votado em plenário do Senado nesta quarta-feira (21/5).

A proposta é criticada por ambientalistas. Ao Correio, Reuber Brandão, professor do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília (UnB), membro da Rede Biota Cerrado e da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, disse que o projeto representa um retrocesso.

"As mudanças vão impactar profundamente as garantias de controle,  segurança, monitoramento e fiscalização de impactos ambientais sobre os recursos naturais nacionais. A lógica da autodeclaração, já usada por exemplo no Cadastro Ambiental Rural na revisão do Código Florestal em 2012, já mostrou que não funciona e não garante a segurança e idoneidade dos dados declarados. É a verdadeira 'ada da boiada' na legislação ambiental nacional que foi construída com grande esforço e cuidado ao longo do tempo", avalia Reuber.

Entre as alterações, está a criação da Licença Ambiental por Compromisso (LAC), que na prática é um autolicenciamento a pequenos e médios empreendimentos considerados de menor impacto.

É por meio do licenciamento ambiental que o poder público autoriza a instalação, ampliação e operação de empreendimentos que utilizam recursos naturais ou podem causar impacto ao meio ambiente. Alguns exemplos incluem a construção e ampliação de rodovias, aeroportos, indústrias têxteis, metalúrgicas, e de papel e celulose, além de postos de gasolina, hidrelétricas e empreendimentos turísticos e urbanísticos, como hotéis e loteamentos.

O projeto recebeu 13 emendas desde a leitura do relatório. Os senadores relatores, Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO), acolheram cinco. Apresentadas pelo senador Jayme Campos (União-MT), duas emendas alteram a Lei da Mata Atlântica e a Lei Complementar 140, de 2011, para que não haja conflito sobre qual ente federativo deverá ser o responsável pelo licenciamento ou pela autorização de desmatamento de terras em divisas entre estados e municípios.

As emendas acolhidas dos senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Mecias de Jesus (Republicanos-RR) se destinam a simplificar o licenciamento relativo a projetos relacionados à segurança energética nacional.

Na avaliação do professor Reuber o projeto é um "retrocesso ignóbil para a segurança jurídica na proteção, prevenção, precaução, controle, segurança e fiscalização dos danos coletivos gerados pelos empreendimentos sobre os recursos naturais". "Privatiza o benefício e deixa para a sociedade o resultado da degradação gerada", critica.

"Esse PL não prevê mudanças correntes nas características climáticas, não vincula a opinião de órgãos como ICMBIO e Funai ao licenciamento, fragilizando nossa biodiversidade e os territórios indígenas, esvazia os órgãos ambientais, destrói a noção de estudos de alternativas para os empreendimentos, não estabelece o que são empreendimentos pequenos, médios ou grandes e autoriza o descontrole no desmatamento", acrescenta o especialista.

Veja a seguir os pontos críticos do projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, apontados pela equipe da Rede Biota Cerrado e listados por ordem de prioridade quanto à gravidade dos problemas:

  • 1. Autolicenciamento por Adesão e Compromisso (LAC): permite licença automática com base em autodeclaração, inclusive para empreendimentos de médio impacto. Risco: institucionalização da “licença ficta”; possibilidade de novos desastres como Brumadinho;
  • 2. Dispensa de licenciamento para o setor agropecuário e outras atividades: Isenta diversas atividades agropecuárias e de infraestrutura de licenciamento com base em mera autodeclaração. Risco: legalização da degradação ambiental em larga escala;
  • Fragilização da participação dos órgãos responsáveis por comunidades tradicionais e áreas protegidas: A manifestação de órgãos como Funai, ICMBio e Iphan deixa de ser vinculante. Risco: institucionalização do racismo ambiental e judicialização em massa;
  • 4. Ausência de qualquer referência à crise climática: O PL ignora completamente a emergência climática. Risco: retrocesso inaceitável frente aos compromissos climáticos internacionais;
  • 5. Fragilização das condicionantes ambientais: Reduz o escopo e força das obrigações ambientais. Risco: impunidade em casos de dano ambiental e perda de eficácia do licenciamento;
  • 6. Ausência de lista nacional mínima de atividades sujeitas a licenciamento: Delega a estados e municípios a definição das atividades licenciáveis. Risco: fragmentação normativa e aumento da insegurança jurídica;
  • 7. Desvinculação entre outorga de uso da água e licenciamento: Permite que o licenciamento prossiga mesmo sem avaliação da disponibilidade hídrica. Risco: colapso em regiões de escassez hídrica;
  • 8. Supressão da Licença de Operação (LO) para obras lineares: Permite a operação de empreendimentos antes de verificação técnica. Risco: autorização de obras sem comprovação de segurança ambiental;
  • 9. Consulta pública como “opcional”: O texto permite que a autoridade ignore a participação pública no processo. Risco: esvaziamento da democracia ambiental;
  • 10. Ambiguidade e omissões nos Estudos Ambientais:  O EIA/RIMA não exige análise climática nem riscos, e o conteúdo é genérico. Não há detalhamento adequado sobre análise de alternativas e impactos acumulados. Risco: estudos superficiais e insuficientes para decisões bem fundamentadas;
  • 11. Licenciamento em áreas protegidas sem anuência do órgão gestor: Permite estudos e intervenções em Unidades de Conservação sem controle efetivo. Risco: fragilização da proteção das UCs e violação à Lei do SNUC;
  • 12. Licenciamento dispensado em situações de calamidade pública: Ações emergenciais podem ser realizadas sem qualquer licenciamento. Risco: uso indevido da exceção para evitar controle ambiental em grandes obras;
  • 13. Ausência de referência expressa à Avaliação Ambiental Estratégica (AAE): Embora prevista em normativas internacionais, a AAE não é incluída como diretriz. Risco: políticas setoriais sem integração ambiental estratégica;
  • 14. Relatórios de avaliação ambiental pós-licença sem padronização ou exigência mínima: Risco de relatórios ineficazes ou meramente formais. Risco: ausência de institucional e de aperfeiçoamento de políticas públicas.

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postado em 21/05/2025 15:47
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