Não é o fim do mundo quando você recebe um diagnóstico de câncer. Mesmo que isso abale as estruturas da sua vida, é necessário reconhecer que, apesar do baque, ainda há muito pelo que viver. Mais que analgesia e tratamento contra a doença, é fundamental que durante o processo o paciente tente se manter são, nos diferentes aspectos de suas individualidades. Sendo assim, a humanização de todos os envolvidos na busca da cura é fundamental para que essa pessoa não desista de continuar.
Por ser uma doença que causa susto e indefinições acerca do que acontecerá no futuro, o tratamento humanizado do câncer ocupa um lugar de extrema importância na oncologia, pois reconhece o paciente como um indivíduo completo, com necessidades físicas, emocionais e sociais, o colocando como protagonista da sua própria história. Segundo o oncologista clínico Cristiano Augusto Andrade de Resende, o olhar humanizado valoriza a escuta ativa, a empatia e o respeito à autonomia do paciente, proporcionando um ambiente onde ele se sinta seguro, acolhido e compreendido.
Isso, de certa forma, impacta diretamente no entendimento da sua enfermidade, na adesão ao tratamento e na qualidade de vida durante o processo. "Outro benefício do tratamento humanizado é a maneira como ele promove a individualização do cuidado. Cada paciente é único e, apesar de muitas vezes existirem protocolos de tratamento bem definidos, o cuidado humanizado permite oferecer soluções personalizadas que atendam às necessidades específicas de cada pessoa", explica.
Para curar! 6d1tr
Um estudo feito pelo Instituto Datafolha, em 2019, mostrou que 27% dos brasileiros consideram o medo de ter câncer como o maior de suas vidas. Isso demonstra o quão assustador, para tantas pessoas, é encarar a possibilidade de ter que lidar com a doença à medida que os anos am. Mas, aos que já vivem esse desafio na pele, diariamente, é ainda mais angustiante. Assim, todas as estratégias, desde comunicações efetivas até informações claras, são essenciais para que o paciente não perca a fé na cura.
"O tratamento humanizado extrapola o cuidado apenas ao paciente, mas também impacta positivamente todos os envolvidos no processo, como os profissionais de saúde e familiares. As redes de apoio funcionam como uma ponte vital entre o paciente e as diversas faces do enfrentamento do câncer", detalha. Todos esses componentes são primordiais, pois garantem ao indivíduo que ele não apenas seja assistido em suas necessidades práticas, como transporte para consultas ou organização da rotina, mas também que receba e emocional nos momentos de maior fragilidade.
Sobre nunca se render 6e3t21
Longe do país de origem e com saudade da família, Joana Jeker dos Anjos, 48 anos, descobriu um câncer enquanto estava na Austrália, em 2007. No início, o sentimento foi de vazio. A sensação estarrecedora de saber que, ali, havia um caminho necessário a ser traçado. Precavida, sempre teve o hábito de fazer autoexame nas mamas, já que a mãe, em uma outra época, tinha sido diagnosticada com câncer de mama.
"Chorei muito e fiquei muito abalada. Tive medo da morte e da incerteza do futuro. Foi muito difícil ligar para minha mãe e dizer que eu estava com câncer de mama, a mesma doença que ela teve. Decidi abandonar a vida na Austrália e voltei para o meu país em busca de tratamento pelo SUS", lembra a a.
Graças ao diagnóstico precoce, ao menos o tratamento de Joana foi rápido, durando cerca de seis meses. Cumpriu todos os os no Hospital Mario Kroeff, no Rio de Janeiro. Fez a mastectomia da mama direita e quatro sessões de quimioterapia. Mas, ainda assim, o maior baque veio: ver-se no espelho sem cabelo. Para ela, poucas palavras explicam o que esse momento lhe trouxe.
Doou boa parte dos fios e, com o tempo, a tristeza amenizou. "Meu seio foi reconstruído e o meu cabelo cresceu, mais bonito do que antes. A vida recomeça, sempre", ressalta. Depois de longos meses no Rio de Janeiro, Joana retornou para Brasília e iniciou a reconstrução da mama no Hospital Regional da Asa Norte. Contudo, enfrentou um enorme problema durante o processo.
"Meu médico parou de operar antes de fazer a aréola e o bico da minha mama. Tive que ir atrás dos meus direitos. Fiz um abaixo-assinado e uma manifestação em frente ao Hran, em dezembro de 2010, que resultou nos mutirões de reconstrução da mama, organizados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica", conta.
Novo propósito 2q3x1b
Logo em seguida, decidiu fundar a ONG Recomeçar, que atua principalmente na articulação de políticas públicas e na promoção do controle social para garantir a qualidade e a velocidade em todos os processos que proporcionam a reabilitação de mulheres afetadas por câncer de mama que são tratadas no SUS — Sistema Único de Saúde.
De acordo com ela, a ONG contribuiu para avanços importantes, como a aprovação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, a Lei dos 30 Dias para diagnóstico rápido e a lei do registro compulsório do câncer. "Também promovemos campanhas de conscientização no Congresso Nacional, dando visibilidade à causa", afirma.
O câncer, por ser uma das doenças mais temidas pela sociedade, necessita de um acompanhamento especial. Assim, o tratamento humanizado faz toda a diferença porque vai além da patologia e enxerga a pessoa. "Ser acolhida com empatia, escuta e respeito nos dá forças para seguir em frente. A Recomeçar faz esse trabalho, e isso me enche de alegria e realização", completa. Apesar das dificuldades que viveu, acredita que a fé, a família, as amigas e a alegria de viver foram fundamentais para que não desistisse.
E foi justamente nessa força que ela se apegou. Descobriu em si mesma um ânimo que mal sabia que existia. Permitiu-se chorar, mas também caminhar com coragem, otimismo e esperança. Tinha noção do quão difícil seria, mas que aria, assim como tudo na vida. "Lutar por mim mesma me levou a lutar por tantas outras. E é essa causa que me mantém firme até hoje, de pé, com coragem renovada todos os dias", finaliza.
Para evitar que os pacientes desistam de si mesmos no processo, o oncologista Cristiano Resende afirma que é crucial reforçar continuamente sua autoestima e seu senso de propósito, buscando sempre que possível o sentimento de esperança e confiança. "Profissionais de saúde podem compartilhar histórias de superação, destacar os avanços na medicina e criar metas alcançáveis para o paciente, tanto no tratamento quanto em seu cotidiano", descreve
Isso, de acordo com ele, envolve cultivar uma visão positiva de futuro, em que pequenas conquistas diárias sejam celebradas para que o paciente possa encontrar propósito mesmo em meio às adversidades. O cuidado com cada indivíduo contribui para que o mesmo se sinta valorizado e compreendido em sua singularidade.
Essa pode ser a chave que une o paciente ao foco necessário no tratamento. Mas que, acima de tudo, em sua própria recuperação. "Esse cuidado integral e comivo não apenas melhora os resultados clínicos, mas também deixa um legado de resiliência e esperança, tanto para o paciente quanto para aqueles que o acompanham nesse percurso", esclarece o oncologista.
Além disso, é necessário que ele não perca de vista outros interesses, que não fique distante das pessoas que ama, tampouco dos afazeres que aliviam sua saúde mental. Estabelecer um plano de e multidisciplinar, que inclua consultas regulares com psicólogos, nutricionistas e fisioterapeutas, realização de atividade física e técnicas de relaxamento, pode ser um pilar para que o paciente não desista no meio do caminho.
"Fui com medo mesmo" 26z4z
Medo é o primeiro sentimento, aquela sensação quase embrionária. O baque da notícia alcançando o coração e apertando o peito. No final de 2022, refazendo exames de rotina, Adriana Barbosa de Faria, 53, percebeu um carocinho na mama, depois de começar a sentir algumas "pontadas" no local. Ela conta que as dores eram tão fortes que chegava a acordar durante a noite.
Contudo, apesar do início assustador, a servidora pública buscou forças de lugares que mal sabia que existiam. "Minha mente só dizia o seguinte: se é este o desafio posto, vamos encarar. Continuei com medo. Mas fui com medo mesmo", relembra. Adriana ou por quimioterapia, radioterapia, cirurgia com mastectomia completa, imunoterapia e, hoje, faz hormônio terapia.
"O tratamento é duro. Atinge em cheio a feminilidade da mulher com a alteração de sua aparência — engordar, perder cabelos, retirar a mama. Não é, em absoluto, fácil. Mas é possível atravessar com paz de espírito, perseverança e apoio", enfatiza. O processo, de fato, é doloroso. O reflexo que o espelho reproduz, daquela pessoa diferente que você costumava ser. É, em grande parte, recheado de tristeza.
Mas, para amenizar e aliviar esse temporal, é importante que haja aqueles com quem se pode contar. Mais do que isso, enxergar que o tratamento pode, realmente, fazer a diferença para que o paciente se livre do câncer. Segundo Adriana, poder contar com uma equipe de médicos e enfermeiros que tenham empatia neste momento é fundamental. "De nossa parte, é também importantíssimo confiar na medicina, na cura. Acreditar que o tratamento funcionará", afirma.
Durante o bom tempo que ou lutando contra a doença, a percepção de Adriana em relação ao mundo mudou. Sentiu a vida com mais intensidade, percebeu cada pessoa que estava presente com ela e agradeceu por tudo. "Eu me apaixonei mais uma vez pela minha vida. Isso faz com que você queira estar aqui e vencer seu desafio. Você é colocada diante da finitude. Talvez por isso se apegue ainda mais a ela. Percebe também que cuidar de si mesma é o que te mantém viva."
Ouvir antes de prescrever 4x3v1h
Tratar o câncer com humanidade significa enxergar além do diagnóstico. É ver o paciente de maneira humana, com medos, desejos, história de vida e vínculos, e não apenas como uma pessoa com um diagnóstico. É ouvir antes de prescrever, acolher antes de intervir, caminhar junto em vez de apenas conduzir.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde engloba o bem-estar físico, mental e social, e não apenas a mera ausência de doenças ou enfermidades. A abordagem leva em consideração não apenas o quadro clínico, mas também a história de vida, os valores, as crenças, os medos e as expectativas de cada paciente.
E, com isso, três práticas são consideradas fundamentais, na visão da psicologia, para tornar o atendimento mais humanizado no contexto oncológico: escuta ativa, acolhimento e respeito ao tempo do paciente. Segundo a psicóloga Andréa Souto, o processo oncológico é, sem dúvida, muito desafiador, e o câncer não envolve apenas o tratamento físico.
"Quando ouvimos o paciente com atenção e oferecemos um espaço para ele se expressar, ele se sente validado e apoiado no enfrentamento da doença. É importante acolher o sofrimento e as emoções que surgem com o diagnóstico, sem tentar minimizar ou apressar a maneira como o paciente reage."
Cada experiência é única. Basta um diagnóstico para a vida ganhar um novo ritmo. Receber um diagnóstico de câncer é, para muitos, uma fase desafiadora e de insegurança. "Quando falamos desse processo, estamos também falando de perdas. Perdas concretas, como a queda de cabelo, ou simbólicas, como a sensação de perder a identidade. E cada pessoa tem o seu tempo para lidar com essas questões. Quando o ritmo dele é respeitado, ele consegue encontrar novos significados e enfrentar o processo com mais recursos emocionais e de forma mais tranquila", explica a psicóloga.
Assim aconteceu com Daiana Montalvão. A pedagoga, de 42 anos, enfrenta uma batalha contra diferentes tipos de câncer desde 2017. Após uma convulsão, Daiana foi levada ao hospital e descobriram um tumor em seu cérebro, um câncer metastático da mama. Esse primeiro diagnóstico veio em 2017, quando o filho, Miguel, tinha 4 anos e sua filha, Giovana, apenas 2. Depois do câncer de mama primário, o de fígado, ossos e estômago foram descobertos.
Em tratamento oncológico com quimioterapia desde 2017, até os dias de hoje, alternando entre a convencional e a oral, seu cabelo caiu, mas nunca foi um símbolo de fraqueza. "Vai fazer um ano que estou careca. Uso prótese capilar, peruca e lace, já que eu não gosto muito de lenço. Conto a minha história para quem quero contar, para quem sinto vontade de contar. Eu não gosto de chegar num lugar e a pessoa já perceber."
A rotina dos pacientes oncológicos costuma ser exaustiva. São semanas, meses e até anos com uma vida focada na cura. Ter uma rede de apoio, composta por pessoas que oferecem e de alguma maneira, é fundamental para uma melhor adesão ao tratamento de qualquer doença, em especial do câncer.
Esse apoio ajuda a fortalecer a capacidade dos pacientes de lidar com as próprias emoções e sentimentos, sem perder o foco na batalha. Daiana Montalvão, com uma ampla rede de amigos e familiares que a apoiam, é um exemplo de que esse cuidado pode salvar uma vida. "Tomo uma injeção na barriga, para minha imunidade não baixar, e quem aplica em mim é a minha filha de 9 anos. Ela aprendeu, faz tudo direitinho e adora. Eu tenho muito apoio familiar, por isso nunca desanimei", conta.
De um dia para o outro, os planos se transformam. Uma rotina escolar toma conta de uma rotina no hospital. A estudante de medicina Nathalia de Lima, 19 anos, teve sua vida virada de ponta-cabeça em julho de 2022, quando foi diagnosticada com um tipo de câncer raro nos ossos, chamado sarcoma de Ewing. "Quando eu descobri que eu estava com câncer, a minha vida parou. Parei de ir para a escola, porque quando a gente faz quimioterapia, a imunidade fica muito baixa, não podia comer fora, porque tem muito risco de pegar alguma infecção. Foi muito difícil aceitar que estava doente."
O abraço nos amigos foi substituído por videochamadas. Para Nathalia, sua rede de apoio foi essencial para sua cura, dando forças quando já estava cansada. "Tinha combinado com minha melhor amiga, Maria Clara, que ela me ligaria todos os dias em um horário específico. Às vezes, eu tinha tido um dia muito ruim e ela me ligava. A gente dividia o que estava acontecendo na vida uma da outra, e aquilo ali foi muito importante para mim, porque minha mãe, mesmo estando sempre comigo, às vezes não conseguia me ajudar, então era muito bom ter pessoas de fora."
A saúde mental é tão importante quanto a saúde física nesse momento. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, o apoio psicológico ajuda no processo de aceitação da doença, favorece uma melhor adesão ao tratamento e, como resultado, promove uma recuperação mais eficaz.
"Todo o apoio emocional faz com que o paciente se sinta mais preparado para enfrentar os medos, a dor e a incerteza, e também fortalece a sua capacidade de lidar com as dificuldades. Quando o paciente se sente amparado, ele tende a se envolver mais no tratamento e a colaborar melhor com a equipe médica", ressalta a psicóloga Andréa Souto.
A vida muda? 4k6x4c
Medos, incertezas e mudanças geralmente acompanham esse momento. Independentemente da forma como cada um escolhe e tem condições de enfrentar essa realidade, há uma luz no fim do túnel. Entre relatos de força, acolhimento e transformação, algumas histórias mostram que, apesar da dor, é possível adaptar a nova realidade e encontrar novos caminhos.
De acordo com Daiana, sua vida não mudou bruscamente depois do diagnóstico. Nunca desanimou e sempre levou a vida muito bem, mesmo com as dificuldades e adversidades da doença. "Eu segui minha vida como se eu tivesse com uma doença qualquer. Eu não encaro o câncer como se ele fosse a minha morte, como se fosse o fim. Encaro como se fosse uma outra doença qualquer, como uma gripe ou enxaqueca, como uma doença crônica que você tem que tratar", relata.
E o tratamento humanizado funciona em conjunto: paciente, família e equipe multidisciplinar. Segundo a psicóloga Andréa Souto, essa equipe tem um papel essencial no cuidado humanizado, porque ela reúne diferentes conhecimentos e habilidades para garantir o bem-estar do paciente como um todo.
Mais do que istrar medicamentos, combater a doença ou seguir protocolos, o cuidado humanizado reconhece o paciente como alguém que sente, teme, chora, resiste e precisa ser acolhido. "A minha médica chorava junto comigo quando eu estava nas consultas, chorava junto com a minha mãe. Então eu via o quão ela se entregou para a minha história, para o meu cuidado, e isso foi muito importante, porque eu via que, se eu precisasse, eu poderia ir até ela", reconhece Nathalia.
Esse cuidado vai para além do tratamento oncológico, deixando marca permanente na vida de quem é cuidado, e Nathalia é a prova viva disso. O desejo em cursar medicina nunca foi concreto, assim como muitos estudantes sonham com a profissão desde criança. O sonho em ser policial militar teve que ser deixado de lado, e a medicina entrou em seu radar durante o tratamento.
"Inicialmente, eu queria ser policial militar, desde que eu me entendo por gente, mas um dia a médica veio conversar comigo. Ela falou que era uma profissão que eu ia sofrer muito por conta das minhas dores. E, analisando, realmente percebi que seria inviável para mim. Nessa conversa, ela falou para eu fazer medicina, e de primeira eu falei que não, que não tinha nada a ver comigo. Mas, depois disso, nunca saiu da minha cabeça e, durante o tratamento, fui vendo como era uma profissão que eu me identificava muito. Fui vendo que realmente iria ser feliz fazendo aquilo."
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Um exemplo emblemático de força é o caso da cantora Preta Gil. Diagnosticada com um câncer de intestino em dezembro de 2023, ela ou por diversas intercorrências, cirurgias e quimioterapias desde então. Atualmente, após ar por todas as alternativas de tratamento existentes no Brasil, Preta Gil busca uma esperança para sua cura nos Estados Unidos.
Durante sua luta contra a doença, a cantora compartilhou em suas redes sociais não somente as atualizações de seu tratamento, mas também momentos de fragilidade, acolhimento, e e da importância do cuidado emocional.
*estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte