
As redes sociais são, hoje, o lazer de inúmeras pessoas. É assistindo a vida dos outros que muitos usuários se perdem no dedilhar das telas. Alguns se apaixonam por realidades alheias e torcem, com muito fervor, por famosos que nem os conhecem. Nesta terça-feira (27/5), a influenciadora Virginia Fonseca e o cantor Zé Felipe, anunciaram, na internet, que daqui em diante serão apenas amigos. Na internet, os fãs ficaram enlouquecidos. Assim, aqueles que são menos fervorosos se perguntam: por que se importar tanto?
E bom, essa é uma indagação válida, mas não vazia, já que para isso existem respostas. Flávio Nunes, neuropsicopedagogo e especialista em comportamento humano, afirma que a atenção à vida dos famosos é, em parte, um legado evolutivo. “Em sociedades ancestrais, observar indivíduos de alto status era vital para a sobrevivência e coesão social, uma função que o córtex pré-frontal auxilia ao processar hierarquias. Hoje, os famosos ocupam simbolicamente esse pináculo, e acompanhar suas trajetórias ativa nosso sistema de recompensa cerebral, liberando dopamina diante da novidade e do drama, mantendo-nos cativos”, explica
Tal dinâmica ancestral encontra um terreno fértil na midiatização contemporânea, onde as “fogueiras” em que muitos se reuniam no ado, agora foram substituídas pelas telas que transmitem as sagas das celebridades. Essa conexão, de acordo com o especialista, é aprofundada pela ação dos neurônios-espelho, que permitem que os indivíduos vivenciem de forma vicária as emoções e ações alheias.
“Assistimos a um sucesso ou a uma tragédia de um famoso e, em certa medida, nosso cérebro espelha essa experiência, criando um laço empático, ainda que unilateral. Platão, em sua "Alegoria da Caverna", poderia ver nisso um paralelo: as vidas editadas e espetaculares dos famosos são como sombras na parede, tidas por muitos como a realidade mais vibrante ou desejável, um reflexo fascinante que captura o olhar e a mente, desviando-nos, por vezes, da substância de nossa própria existência”, detalha.
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Amor ou fanatismo?
Para o especialista, os relacionamentos de celebridades frequentemente se tornam "metas" porque são embalados pela mídia como narrativas românticas idealizadas, quase como contos de fadas modernos. Projetam-se neles os anseios por amor e felicidade, e os neurônios-espelho permitem sentir um eco das emoções ali retratadas. “O córtex pré-frontal, sempre em busca de modelos e padrões, pode identificar esses casais como exemplos de sucesso afetivo, transformando suas histórias em roteiros aspiracionais que parecem oferecer um caminho para a realização amorosa”, ressalta.
Quando tais relacionamentos emblemáticos chegam ao fim, o impacto pode ser surpreendentemente pessoal para o público. A quebra do ideal, do "casal perfeito", pode gerar um sentimento de desesperança ou cinismo e a pessoa pode pensar: se nem eles, com todos os seus recursos e aparente perfeição, conseguiram, qual a chance para os demais, qual a minha chance? Essa desilusão é processada por áreas cerebrais como a ínsula, ligada à percepção da dor emocional e da decepção.
O filósofo René Girard, de acordo com Flávio, com sua teoria do desejo mimético, ajuda a entender que muitos desejam aquilo que os outros valorizam; se o modelo de desejo romântico colapsa, a própria estrutura desse desejo interno pode ser abalada. “O término de um romance famoso pode, portanto, minar as expectativas ao forçar uma reavaliação das crenças sobre o amor e a felicidade a dois. A narrativa em que se investiu emocionalmente é abruptamente interrompida, deixando um vácuo e, por vezes, um questionamento sobre a viabilidade dos próprios sonhos românticos”, esclarece.
O limite do razoável
Segundo Flávio, o fascínio pela vida alheia pode cruzar uma fronteira delicada quando se transforma em obsessão, prejudicando o bem-estar psíquico. “A formação de relações parassociais intensas, onde o indivíduo desenvolve um laço emocional profundo e unilateral com uma celebridade, pode ativar centros emocionais como a amígdala de forma similar a relações reais”, destaca.
Contudo, essa ligação ilusória pode suplantar interações sociais genuínas, gerando solidão e sofrimento quando as expectativas fantasiosas sobre a figura pública são frustradas, ou quando a vida do famoso toma um rumo que desaponta o irador. Outro prejuízo significativo advém da constante comparação social, pensamento que atormenta boa parte daqueles que acompanham suas figuras preferidas na internet.
A exposição a vidas aparentemente perfeitas e inatingíveis, meticulosamente curadas para as mídias, pode levar o córtex pré-frontal medial, área envolvida na autoavaliação, a um ciclo de comparações desfavoráveis, como descreve Flávio. “Isso pode minar a autoestima, fomentar sentimentos de inadequação, inveja e até desencadear ou agravar transtornos de ansiedade e depressão, à medida que o indivíduo se sente perpetuamente aquém de um ideal fabricado e irreal”, acrescenta.