Entrevista | Fernando César Mesquita | Porta-voz da Presidência no governo Sarney

"A redemocratização seria mais turbulenta com outra pessoa"

Nesta entrevista sobre a série 40 Anos da Redemocratização, jornalista relembra a chegada ao Palácio do Planalto com a doença de Tancredo e como foram aqueles primeiros dias com Sarney no comando do governo

  Fernando: Ulysses queria ter
  o controle sobre o governo
 -  (crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado)
Fernando: Ulysses queria ter o controle sobre o governo - (crédito: Jefferson Rudy/Agência Senado)

O jornalista Fernando César Mesquita chegou ao Palácio do Planalto num momento de medos e dúvidas. Tancredo Neves tinha sido internado, o vice José Sarney torna-se o presidente em exercício e seguem-se 39 dias de incertezas sobre a saúde do presidente eleito. Em 21 de abril de 1985, o Brasil mergulha num luto profundo e o que era provisório torna-se definitivo. Nesta conversa com o Correio Braziliense, relembra como foi a transição para a democracia e como Sarney lidou com as instabilidades da política à época.

Como o senhor se tornou assessor e porta-voz de José Sarney?

Era amigo de Sarney e tinha bons relacionamentos com outros políticos. Quando ficou definido que Sarney assumiria, ele me nomeou porta-voz. Tinha experiência em redação de grandes jornais e essa proximidade facilitou minha nomeação na comunicação.

Dentro do PMDB, houve resistência à presença de Sarney como vice de Tancredo?

Sim, muita. Sarney tinha sido da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Partido Democrático Social (PDS, sucessor da Arena como legenda goverista). Dentro do PMDB havia um grupo forte que rejeitava a ideia de um ex-governista na chapa. Chegaram a preparar um manifesto contra a candidatura dele. Mas, Aureliano Chaves, que depois virou ministro [Minas e Energia] no governo José Sarney, foi decisivo. Ele disse que ou é Sarney como vice ou não tem candidatura da Frente Democrática, e o [candidato governista Paulo] Maluf será eleito. Isso pacificou a situação.

Como foi o dia em que Sarney soube que teria que assumir a Presidência?

Ele ficou muito tenso, nervoso. Não queria ser presidente. Estava visivelmente abalado, mas teve que assumir a responsabilidade. Fiquei ao lado dele o tempo todo, ajudando a conduzir a comunicação e mostrando que ele já estava governando. Criávamos pautas todos os dias para ar essa imagem de continuidade e estabilidade.

Como foi a reação dele ao saber da morte de Tancredo?

Quando chegou a notícia da morte do Tancredo, Sarney ficou muito tenso. Ele sentou na mesa para escrever, mas não conseguia, porque estava num grau de tensão e de emoção muito grande. Ele não conseguia escrever. Só depois de muito tempo, finalmente fez uma declaração sobre a morte do Tancredo. O impacto psicológico foi enorme.

Sarney assumiu um governo já montado por Tancredo. Como isso afetou sua istração?

Ele recebeu um governo completamente estruturado, com todos os cargos preenchidos, até os de terceiro escalão. Não tinha ninguém dele ali. Apenas eu, Jorge Murad [assessor pessoal] e, depois, chegou Marcos Vilaça [assessor pessoal]. Sarney precisou conduzir o país sem um núcleo de confiança próprio no início.

Houve resistência militar à posse de Sarney?

Não houve uma resistência formal, mas o então ministro do Exército [do governo de João Baptista Figueiredo], general Walter Pires, chegou a dizer que impediria a posse de Sarney. Foi barrado por Leitão de Abreu, ministro do Gabinete Civil, que o avisou de que sua exoneração já estava assinada. O governo começou cercado por figuras do regime militar anterior.

Como Sarney lidou com essa estrutura herdada do governo Figueiredo?

Com paciência e habilidade política. Ele engoliu sapos e lagartos, mas foi conduzindo tudo sem rupturas bruscas. Foi com muita diplomacia que conseguiu fazer a transição democrática sem maiores crises institucionais.

Houve receio de que a população não aceitasse Sarney como legítimo presidente?

Não. O processo ocorreu de forma tranquila, apesar da resistência interna do PMDB. Havia um grupo que queria outro nome, mas Aureliano Chaves garantiu que Sarney era o sucessor natural.

Como foi o papel do presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, nesse processo?

Ulysses queria ter controle sobre o governo. Chegou a dizer que "o governo somos nós", tentando impor sua influência sobre Sarney. Mas Sarney conduziu tudo com habilidade e não comprou brigas desnecessárias. Ele sabia quem era do bem e quem era do mal. Sabia quem falava mal dele pelas costas, mas nunca reagiu contra.

Como foi a relação do governo com a imprensa nos primeiros meses?

Eu abri o Palácio do Planalto para a imprensa. No governo Figueiredo, o o era fechado. Na minha gestão, era permitido circular no Palácio do Planalto. Só não podiam entrar no gabinete do presidente. Minha experiência ajudou a manter um bom relacionamento com os jornalistas.

O senhor acredita que algo poderia ter sido feito de forma diferente na transição?

Acredito que não. Sarney tinha muito respeito por Tancredo e sabia que a situação era delicada. Conduziu tudo com habilidade, evitando confrontos.

Qual foi o maior legado de Sarney para a redemocratização?

A estabilidade da transição. A redemocratização seria mais turbulenta com outra pessoa. Sarney tinha o apoio dos militares e soube conduzir o Brasil para a democracia. Como eu disse antes, se ele não tivesse tanta paciência, tanta experiência e cultura política, essa transição não teria acontecido.

postado em 05/05/2025 03:55
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