Igreja católica

Papa Francisco foi uma voz significativa para os LGBTs católicos, diz especialista

"Se uma pessoa é gay e busca a Deus com sinceridade, quem sou eu para julgá-la?", disse o papa Francisco, em 2013

Imagem mostra o papa Francisco no papamóvel antes de celebrar missa na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, 2023. -  (crédito: Pierre-Philippe Marcou  /AFP)
Imagem mostra o papa Francisco no papamóvel antes de celebrar missa na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, 2023. - (crédito: Pierre-Philippe Marcou /AFP)

Eleito em 2013 após disputa contra outros 114 cardeais, o papa Francisco faleceu na manhã desta segunda-feira (21/4), aos 88 anos. Em 12 anos de papado, será lembrado pelo posicionamento crítico a invisibilidade das mulheres na Igreja e por ampliar o diálogo da instituição com a sociedade.

O papa argentino também deixa um legado para aqueles que são rechaçados pela própria Igreja devido à sexualidade. É dele a frase “a Igreja deve acompanhar as pessoas, não condená-las”. 

Em entrevista ao Correio, o secretário executivo da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT+, Luís Rabello, explica que “o acolhimento de pessoas LGBT+ aponta para uma prática eclesial marcada pela compaixão, pela escuta e pela inclusão”. 

Embora o Vaticano se recuse a reconhecer o casamento homoafetivo, o papa não abandonou o compromisso com os excluídos. Em diversas entrevistas, não hesitou em declarar os posicionamentos.

Rabello recorda uma frase do papa de 2013. Questionado sobre homossexualidade em uma entrevista, disse a célebre frase: “Se uma pessoa é gay e busca a Deus com sinceridade, quem sou eu para julgá-la?”

Confira a entrevista com Luís Rabello

O Papa Francisco se diferencia dos pontífices que já aram pelo Vaticano?

Sim. O Papa Francisco se diferencia pela humildade, simplicidade e profunda humanidade. Seu pontificado foi marcado por uma abordagem pastoral sensível e corajosa diante de temas polêmicos e complexos, como migração, meio ambiente e a cidadania religiosa de pessoas LGBT+.

Você poderia citar alguns exemplos?

Desde sua eleição, em 2013, ele rejeitou as pompas tradicionalmente associadas ao cargo, como o uso das vestimentas mais ornamentadas e a escolha de não residir no Palácio Apostólico, preferindo viver na Casa Santa Marta, uma hospedaria dentro do Vaticano. Além disso, Francisco inovou ao priorizar gestos simbólicos e concretos de acolhida e proximidade com os mais pobres e marginalizados, mais do que discursos doutrinários. 

Acredita que o legado de Francisco permanecerá ao longo dos tempos no Vaticano e no pensamento dos católicos? 

Em muitos aspectos, sim. O legado do papa Francisco tende a perdurar, especialmente por sua ênfase em uma Igreja sinodal, missionária e próxima das pessoas. A reforma da Cúria Romana, por meio da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, é um exemplo concreto disso: ela prevê a inclusão de leigas e leigos, especialmente mulheres, na liderança dos dicastérios, o que representa um o importante na valorização da participação laical na Igreja institucional.

Quais ações na defesa dos direitos humanos você considera mais marcantes durante o papado de Francisco?

Seus gestos proféticos a favor dos direitos humanos e das pessoas marginalizadas — como suas visitas a campos de refugiados, os encontros com migrantes e refugiados, o já mencionado gesto de lavar os pés de detentos e detentas na Quinta-Feira Santa, e o acolhimento de pessoas LGBT+ apontam para uma prática eclesial marcada pela compaixão, pela escuta e pela inclusão. Esses sinais do pontificado de Francisco constituem uma inspiração para as futuras gerações de católicos e católicas, desafiando a Igreja a manter-se fiel ao Evangelho em diálogo com os sinais dos tempos.

Francisco foi uma voz importante para LGBTs+ católicos?

Sem dúvidas. Francisco foi uma voz significativa para católicas e católicos LGBT+. Logo após sua primeira viagem apostólica fora da Itália — ao Brasil, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude em 2013 —, ao responder a uma pergunta sobre homossexualidade, disse a célebre frase: “Se uma pessoa é gay e busca a Deus com sinceridade, quem sou eu para julgá-la?”, o que marcou uma mudança de tom no modo como a Igreja se comunicava com essa população.

Quais foram os gestos mais importantes feitos à comunidade LGBT+?

Em 2018, em audiência com Juan Carlos Cruz, um homem gay chileno vítima de abuso clerical, Francisco teria dito: “Deus o fez assim e o ama assim.” Em várias ocasiões, o Papa recebeu pessoas trans em audiências privadas, inclusive aquelas em situação de marginalização social. Em 2023, durante uma audiência com membros de um grupo católico LGBT italiano, reafirmou que “a Igreja é para todos”, insistindo na importância do acolhimento sem discriminação.  Destacam-se ainda gestos como o encontro privado com pessoas trans no Vaticano e nos EUA — em especial em 2015, durante a sua visita a Washington, quando recebeu um homem trans e sua esposa — e a escolha de celebrar a Missa da Ceia do Senhor em presídios, lavando os pés de detentas e detentos de diferentes religiões e origens. 

As falas e ações de Francisco em defesa de pessoas LGBT+ são compatíveis com a doutrina da Igreja?

Essas atitudes não alteram a doutrina oficial da Igreja, mas abrem espaço para uma pastoral mais inclusiva e respeitosa, onde as pessoas LGBT+ possam se sentir parte do corpo eclesial. Sua voz tem sido fundamental para encorajar o diálogo, reduzir a exclusão e promover uma Igreja mais fiel ao Evangelho da misericórdia.

postado em 21/04/2025 17:46 / atualizado em 21/04/2025 17:47
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