trama golpista

Como os ministros votaram no julgamento da denúncia contra Bolsonaro

Ministros ressaltam planejamento da ofensiva, relacionam com o 8/1 e fazem contundente defesa do Estado Democrático de Direito

Primeira Turma do STF julga denúncia sobre o núcleo 1 da Pet 12.100 - 25/03/20250.
 -  (crédito:  Rosinei Coutinho/STF)
Primeira Turma do STF julga denúncia sobre o núcleo 1 da Pet 12.100 - 25/03/20250. - (crédito: Rosinei Coutinho/STF)

No julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados por tentativa de golpe de Estado, os ministros da Primeira Turma apontaram contradições em pontos destacados pelas defesas dos acusados, na sessão do dia anterior, e demarcaram as diferenças entre democracia e ditadura. Eles enfatizaram a importância de não minimizar os ataques ao Estado de Direito.

Com a construção de uma linha do tempo da trama golpista, os ministros indicaram o 8 de Janeiro de 2023 como o dia fatídico da ofensiva.

Os magistrados também destacaram a reunião ministerial de 5 de julho de 2022 e uma live realizada por Bolsonaro em 29 de julho do mesmo ano, em que o sistema eleitoral foi questionado pelo ex-presidente, ministros e assessores à época, bem como a tentativa de evitar a ida de votantes às urnas no segundo turno das eleições presidenciais. Os acontecimentos, conforme os ministros, antecederam e preparam o terreno para as ações de depredação e de pedidos de intervenção militar na Praça dos Três Poderes.

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Além de ressaltarem todo o plano da investida golpista e a violência causada pelos que a apoiaram, os ministros frisaram a importância da democracia em contraposição a regimes autoritários.

"Ditadura vive da morte. Não apenas da sociedade, não apenas da democracia, mas de seres humanos, de carne e osso, que são torturados, mutilados, assassinados, toda vez que contrariar o interesse daquele que detém o poder para o seu próprio interesse. Não é para o bem público, não é para o benefício de todos", disse a ministra Cármen Lúcia. 

Alexandre de Moraes: "Houve gravíssima violência"

Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes detalhou a suposta participação da cúpula do governo Bolsonaro na elaboração do golpe desde junho de 2021. Segundo ele, não há dúvidas de que o ex-presidente tinha conhecimento e manuseou o a minuta golpista apreendida pela Polícia Federal.

Também foram detalhados os indícios de participação dos militares na trama golpista, a elaboração da minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o uso indevido da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionagem ilegal em benefício de Jair Bolsonaro.

"Apesar de algumas alegações de que minutas de golpe são normais, que correm pela internet, não é normal que o presidente que acabou de perder uma eleição se reúna com comandantes do Exército, Marinha e ministro da Defesa para tratar de minuta de golpe", disse.

Segundo a investigação, a cartada final do grupo seria o dia 8 de janeiro, dia dos ataques violentos que culminaram na depredação dos prédios dos Três Poderes. Bolsonaro também teve uma imputação específica de liderar a organização criminosa.

Moraes apresentou um vídeo "de comprovação da materialidade dos delitos" nos ataques. "É um absurdo as pessoas falarem que não houve violência, que não houve agressão e que, consequentemente, não houve materialidade", enfatizou.

Num telão, foram exibidas imagens de extremistas depredando os prédios dos Três Poderes. Moraes questionou: "Se isso não é violência, o que seria violência? O absurdo de uma violência é ela ser programada."

Flávio Dino: "Golpe de Estado mata"

O ministro Flávio Dino disse acreditar que há consenso quanto à materialidade da denúncia. "No final (no momento da sentença sobre os méritos das acusações) teremos com certeza, com esta multiplicidade de acusados, percepções diferentes quanto às realidades que se formarão nos autos com instrução", disse.

"O vídeo trazido pelo relator reforça aquilo que seguidamente, e não só no 8 de Janeiro, foi apresentado. É importante lembrar que nós estamos tratando de fatos que vêm de 2021 em continuidade normativo-típica, e chegam até, em tese, ao 8 de Janeiro. Ora, neste período, houve sim a apreensão, consta dos autos, inclusive, apreensão de armas em vários momentos, inclusive no 8 de janeiro."

Dino rebateu argumentos de que não houve violência, de que ninguém morreu. "No dia 1º de abril de 1964 também não morreu ninguém, mas centenas e milhares morreram depois. Golpe de Estado mata. Não importa se isto é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois", enfatizou. "Então, aqueles que nos anos 20 e 30 do século XX normalizaram a chegada de Mussolini e Hitler ao poder dizendo 'este é um processo normal', certamente se arrependeram quando viram as consequências nos odientos campos de concentração vitimando o povo judeu e outras tantas minorias na Europa."

O magistrado ressaltou o perigo de um golpe de Estado. "É falsa a ideia de que um golpe de Estado ou uma tentativa de golpe de Estado, porque não resultou em mortes naquele dia, é uma infração penal de menor potencial ofensivo. Isto é uma desonra à memória nacional."

Luiz Fux: "O ataque será lembrado"

Em seu voto, o ministro Luiz Fux elogiou o relatório de Alexandre de Moraes sobre o caso e disse que o colega "esclareceu quem fez o que" no âmbito da trama golpista e "não deixou pedra sobre pedra".

O magistrado ressaltou que para melhor explorar todas as observações que tem sobre o caso, é necessário aceitar a denúncia e entrar na fase de instrução do processo.

Fux disse que tudo que se volta contra o Estado Democrático de Direito "é repugnante e absolutamente inaceitável".

Ele mencionou o que foi destacado por Moraes, de que o povo brasileiro, eventualmente, poderia deixar cair no esquecimento o movimento que foi feito contra o Estado de Direito e contra a democracia. Frisou que o maior perigo em relação aos delitos é o perigo da indiferença, "porque a indiferença é pior do que qualquer sanção".

"Quero acompanhar o eminente relator nos termos do seu voto e ao mesmo tempo dizer que nós devemos ainda manter a grande extraordinária esperança de que o nosso país continuará a viver um Estado Democrático de Direito, onde se garante justiça, segurança, verdade e liberdade", ressaltou. "Queria acompanhar integralmente o relator, parabenizando por essa, eu sei que este momento não é de parabéns, mas assim uma referência ao seu trabalho que conseguiu fazer, digamos assim, abreviar a nossa tarefa. (...) O ministro Alexandre, vamos dizer assim, em uma linguagem coloquial, não deixou pedra sobre pedra. E aqui me trouxe a paz necessária como juiz para receber a denúncia e acompanhá-lo."

Cármen Lúcia: "Ditadura vive de morte"

A ministra Cármen Lúcia acompanhou o relator Alexandre de Moraes. Durante o voto, a magistrada afirmou que "a democracia propicia, a ditadura não permite" para ressaltar a gravidade dos atos antidemocráticos que culminaram nos ataques de 8 de janeiro.

"Não é inepta a denúncia, porque ela descreve os indícios, os fatos, as circunstâncias, hora, dia, documentos que, em princípio, são atribuídos a uma ou a outra, e que vai se verificar esta concatenação: se ela existe, como existe, quais os tipos penais que incidem, que foram aqui denunciados, objetos da denúncia. E não se há de dizer que foi sem violência. A violência aconteceu", destacou.

"Se eu voltar um pouco antes, no período eleitoral, como foram tensos aqueles dias. As tentativas de impedir eleitores de votar, a máquina funcionando para desacreditar o que é da confiança do cidadão e da cidadã brasileira, pela singela circunstância de que é confiável, segura, hígida, correto o processo eleitoral brasileiro", lembrou. "A tentativa o tempo todo, em praça pública, em avenidas importantes do país, reunindo pessoas para desacreditar as instituições."

De acordo com a ministra, "é preciso desenrolar do dia 8 para trás, pra gente chegar a esta máquina que tentou desmontar a democracia — que é um fato". "Acho que isso não é negado por ninguém em sã consciência. Os documentos trazem minutas que, se são rascunhos, ninguém rascunha que vai intervir no Tribunal Superior Eleitoral e criar um comitê ou uma comissão de fiscalização das eleições. Mata-se algo que tem dado certo, que é o Brasil que dá certo democraticamente, que é a Justiça Eleitoral brasileira."

Cristiano Zanin: "Fatos extremamente graves"

O ministro Cristiano Zanin acompanhou integralmente o voto de Moraes. Ele destacou que a denúncia não se apoia exclusivamente na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, mas em um conjunto de provas, incluindo documentos, relatórios, vídeos e mensagens.

Zanin afirmou que caberá à instrução criminal verificar a veracidade do material. "O que se tem aqui são diversos documentos, vídeos e dispositivos que dão amparo àquilo que foi apresentado pela acusação", frisou.

"Hoje, o ministro Alexandre de Moraes trouxe aqui, exibiu documentos e vídeos que mostram fatos extremamente graves e que, em tese, podem configurar os crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado e, ainda, dano qualificado e dano a bens protegidos por lei", frisou. "Então, em tese, estamos aqui diante de fatos devidamente demonstrados e aptos a configurar, em tese, os crimes que foram narrados pela Procuradoria-Geral da República na denúncia apresentada."

Zanin também destacou o que prevê o artigo 29 do Código Penal: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a ele cominadas". "O que significa isso? Que não necessariamente o acusado tem que ter estado no dia 8 de Janeiro. Mas, se ele concorreu, de alguma forma, para que esse evento tivesse ocorrido, ele responde nos termos da lei. É o que está expresso no Código Penal."

Segundo ele, "não adianta dizer que a pessoa não estava no dia 8 de Janeiro, se ela participou de uma série de atos que culminaram nesse evento que, em tese, é compatível com os delitos descritos pela PGR".


Maiara Marinho
MM
postado em 27/03/2025 02:01
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