ARTIGO

Licenciamento ambiental à deriva

Foram 54 votos pela aprovação do PL 2.159 e apenas 13 contrários. Esse é o placar do extremismo ideológico que tratorou, ao mesmo tempo, a Constituição Federal, a ciência e acordos internacionais

PRI-2505-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2505-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

 » ADRIANA RAMOS, Secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA)

» MARCOS WOORTMANN, Diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)


Já pensou entrar num avião sem ter certeza de que o piloto está apto a conduzir a aeronave? Ou ir a um médico sem saber se o profissional está habilitado? É isso que as organizações ambientalistas brasileiras vêm questionando sobre os absurdos do Projeto de Lei (PL) 2.159, que altera as regras de licenciamento ambiental, aprovado pelo Senado na quarta-feira ada.

O processo do licenciamento tem o objetivo de avaliar os potenciais impactos de obras e projetos, de modo a minimizar ou compensar riscos à saúde pública e contaminação de rios, praias, solo. Trata-se de tornar intervenções menos danosas ao meio ambiente e a toda forma de vida.

É comum que quem planeja um empreendimento não incorpore aspectos ambientais, pois implicam custos de adequação. Assim, os riscos são subdimensionados, acarretando que analistas solicitem complementação de informações para definir medidas de mitigação e compensação. Isso leva tempo, causa atrasos na concessão das licenças e enche a boca dos que acreditam que, eliminando tais etapas, o desenvolvimento será próspero e imediato.

Respeitar o meio ambiente dentro de uma perspectiva sustentável é algo que muitos empreendedores querem manter só no discurso. Não surpreenderam, portanto, as manifestações de apoio de setores empresariais ao PL 2.159, apesar de ele representar danos sem precedentes para toda a coletividade.

O projeto amplia os casos de aplicação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa conseguirá a licença ambiental preenchendo um formulário na internet. A LAC torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção.

A proposta estabelece também uma Licença Ambiental Especial (LAE), incluída de última hora no texto do Senado. A LAE prevê rito simplificado para "atividades ou empreendimentos estratégicos", a serem definidos por um Conselho de Governo, ainda que a iniciativa "seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente". O quanto são estratégicas será estabelecido por decreto. 

Ora, sabemos como funciona a cultura política quando as decisões são tomadas a portas fechadas. Estamos falando em bom português de um convite — com tapete vermelho e banda — para que a corrupção em dimensões inauditas permeie o licenciamento nas diversas instâncias de governo. Inverte-se a lógica e a ética de se estruturar um processo aberto, auditável e eficiente para todos os cidadãos brasileiros. Saem beneficiados a classe política e os empreendedores que possam pagar para "promover desenvolvimento".

A redação aprovada pelos senadores concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades, como agricultura, pecuária, manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário. Ela garante poder quase ilimitado para estados e municípios criarem a própria lista de isenções de licenciamento — o que pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma guerra de flexibilização para atrair investimentos. 

Terras Indígenas e territórios quilombolas em regularização não serão considerados. Unidades de Conservação só serão avaliadas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 96% das comunidades não serão sequer levadas em consideração, já que não foram tituladas. Cerca de 40% dos territórios indígenas poderão ser afetados. 

Cabe lembrar que a preservação desses territórios é responsável pela chuva que abastece 80% da agricultura no Brasil e gera 58% de sua renda. O que os ruralistas estão fazendo é dar um tiro no próprio pé. No fim das contas, caberá ao consumidor pagar pelo aumento na inflação de alimentos, e ao país, pagar pela multiplicação da pobreza.

Se virar mesmo lei, o PL também vai isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas "condicionantes ambientais", empurrando as consequências para a população e os cofres públicos. Afinal, se não forem cumpridas condicionantes, obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais, o dono da obra não precisará dar satisfação a ninguém. 

A forma como muitos senadores se manifestaram na sessão de quarta-feira diz muito sobre o que tem movido o debate sobre meio ambiente e clima no Congresso: a maioria chamou a proteção ao meio ambiente de atraso e a vinculou a pensamentos de esquerda. Foram 54 votos pela aprovação e apenas 13 contrários. Esse é o placar do extremismo ideológico que tratorou, ao mesmo tempo, a Constituição Federal, a ciência e acordos internacionais, entregando a conta para mim, você, seus filhos e o mundo. 

É isso que queremos em pleno ano de COP30, quando negociadores se reunirão no Brasil para refazer seus compromissos ambientais e tentar conter os desastres climáticos? Precisamos chamar os adultos de volta para a sala ou pagaremos essa conta com nossa saúde e nossas vidas. 

 

Por Opinião
postado em 25/05/2025 06:03
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