
Mozart Neves Ramos — titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto
O desafio da educação básica em nosso país está na qualidade, seja em relação à melhora na aprendizagem escolar, seja na redução das desigualdades entre escolas e entre redes públicas de ensino. Isso porque, no quesito o, o país vem conseguindo fazer seu dever de casa. Mas, no ensino superior, vamos precisar fazer as duas coisas: ampliar o o de jovens de 18 a 24 anos à universidade e assegurar que eles completem o curso e desenvolvam as habilidades e competências requeridas pelo novo mundo do trabalho.
Quanto ao o, deveríamos ter chegado a 33% de jovens da faixa etária acima no ensino superior, mas atingimos apenas 20% — muito aquém da meta 13 prevista no Plano Nacional de Educação que agora se encerra. Quanto à permanência, o problema é ainda mais grave. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que, de cada 100 jovens que ingressam no ensino superior, 59 desistem ao longo do percurso.
Além disso, os dois programas que há anos atrás foram muito importantes para o o ao ensino superior privado, principais responsáveis pelo crescimento no período — ainda que insuficiente —, atualmente estão em baixa. Refiro-me aqui ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e ao Programa Universidade para Todos (Prouni).
O primeiro teve seu auge em 2014, com 732 mil matrículas, e, de lá para cá, vem encolhendo substancialmente; em 2023, apenas 48 mil contratos foram fechados, não obstante os esforços do Ministério da Educação (MEC). Parte significativa dos alunos que financiaram seus estudos por meio do Fies não conseguiu pagar as mensalidades após a conclusão do curso; a inadimplência cresceu; e o medo de começar a vida profissional negativado vem afastando os alunos do Fies. O Prouni, por sua vez, vem também amargando uma queda substancial de alunos; no seu início, em 2006, 78,6% das vagas oferecidas foram preenchidas, enquanto, em 2024, o cenário mudou por completo: apenas 26,2% das vagas foram efetivamente ocupadas.
Em 10 anos (2013 a 2023), o ensino presencial encolheu de 6,15 milhões de matrículas para 5,06 milhões; por outro lado, a modalidade do ensino a distância (EaD) experimentou um crescimento exponencial de 1,15 milhão de matrículas para 4,91 milhões, e a pandemia teve uma influência importante nesse crescimento, que se deu principalmente pelo setor privado, ando de 1 milhão de matrículas para 4,71 milhões no período — uma expansão vigorosa e desordenada que expôs, por um lado, o potencial, mas, por outro, descortinou as inúmeras fragilidades, especialmente no quesito da qualidade. Resultado: menos de 1% dos cursos EaD obteve nota máxima no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade).
Preocupado com a baixa qualidade em decorrência dessa expansão desordenada, o MEC prepara normas para a modalidade do EaD que assegurem crescimento com qualidade, no que está absolutamente correto. Por outro lado, vamos ter uma equação que certamente não vai fechar se levarmos em conta que: (i) precisamos aumentar o número de matrículas para chegar a 33% de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior — e ainda estamos longe disso; (ii) não temos mais o vigor do ado do Fies e do Prouni, que tanto ajudaram na expansão de matrículas no setor privado; (iii) vamos possivelmente verificar um encolhimento no EaD pela justa razão da qualidade. Assim, o MEC vai precisar urgentemente resolver essa equação — até porque o sistema federal de ensino superior se encontra em crise de financiamento e pouco vai contribuir para uma eventual política de expansão, o que não fez até aqui na modalidade do EaD.
Em 2020, o MEC encomendou um estudo ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) para expandir a educação a distância nas universidades federais. Um de especialistas coordenado por Klaus Schlünzen, da Unesp, levantou dados sobre iniciativas internacionais — como a Open University, do Reino Unido, a Universidade Aberta de Portugal e a Universidade Indira Gandhi, que atende 3 milhões de estudantes na Índia — e fez recomendações para que as instituições públicas de ensino superior se envolvessem mais com a modalidade e ampliassem as vagas. No entanto, infelizmente, isso não vem ocorrendo. Nesses 10 anos (2013 a 2023), o crescimento do número de matrículas no EaD no sistema público de ensino superior foi muito tímido, de 150 mil para 200 mil.
Mas, aqui mesmo no Brasil, temos o belo exemplo da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que oferece 25 mil vagas anuais — sempre preenchidas em 430 polos de 380 municípios desse estado; são alunos trabalhadores, de faixa etária elevada, oriundos, em sua grande maioria, de escolas públicas e de baixa renda familiar. Se não fosse a Univesp, esses alunos não teriam chances de frequentar um curso superior, já que, dos 380 municípios, 244 não têm instituição de ensino superior — um convite à migração desses jovens.
O importante é que existem caminhos possíveis, mas é preciso não jogar a criança fora com a água do banho, ou, em outras palavras, não cobrir a cabeça e descobrir os pés.