Jessika Moreira — diretora Executiva do Movimento Pessoas à Frente
O Brasil enfrenta um desafio estrutural no que se refere à gestão de pessoas no serviço público: a existência dos chamados supersalários — remunerações que ultraam o teto constitucional, comprometendo a efetividade do Estado e aprofundando desigualdades dentro do próprio setor. Esses vencimentos excessivos geram um impacto significativo na destinação de recursos públicos, chegando a um prejuízo de R$ 11,1 bilhões em 2023, considerando apenas o Poder Judiciário e o Ministério Público, conforme dados de Nota Técnica produzida, a pedido do Movimento Pessoas à Frente, pelo pesquisador Bruno Carazza.
As recentes medidas istrativas adotadas pelo presidente do Senado Federal vão na contramão de boas práticas de gestão de pessoas. Ao invés de promover uma política remuneratória mais justa, essas decisões ampliam a desigualdade salarial dentro da própria casa, privilegiando altos cargos e contribuindo para um cenário de distorções inaceitáveis no serviço público. Além de onerar os cofres públicos, situações como essa desmotivam os servidores que exercem papéis fundamentais na prestação de serviços para o Estado, criando um ambiente de competitividade e insatisfação.
O Senado tem a oportunidade e a responsabilidade de liderar pelo exemplo, implementando reformas que tornem a gestão mais democrática e eficiente. No entanto, o que vemos é a perpetuação de uma lógica de benefícios que extrapolam o teto constitucional, sustentados por auxílios indevidamente classificados como indenizatórios. O uso indiscriminado dessas verbas, conhecidas como "penduricalhos", é um dos principais mecanismos utilizados para driblar a Constituição e ultraar o limite estabelecido por lei.
Essas verbas indenizatórias frequentemente utilizadas como artifícios para burlar o teto precisam de uma classificação mais rigorosa e alinhada aos princípios da istração pública. Auxílios como moradia, alimentação e transporte são, muitas vezes, concedidos de forma indiscriminada, sem o caráter excepcional e transitório que justificaria sua natureza indenizatória. Para controlar essas despesas de forma efetiva, é preciso que os dados de remunerações sejam disponibilizados de forma ampla e transparente.
O estudo conduzido pelo Movimento Pessoas à Frente revela ainda que 93% dos magistrados e 91,5% dos membros do Ministério Público receberam acima do teto constitucional em 2023. Esses números evidenciam um desvirtuamento do princípio do teto salarial, que deveria garantir equilíbrio nas remunerações e responsabilidade no uso dos recursos públicos. A manutenção desses benefícios acentua uma desproporção dentro do funcionalismo.
Essas distorções impactam diretamente a alocação de recursos e contribuem para a desigualdade dentro do serviço público, enquanto profissionais essenciais, como professores e agentes de saúde, recebem salários muito aquém: a mediana salarial do funcionalismo é de cerca de R$ 3.300, de acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), em 2022. Apesar de receberem valores significativamente mais baixos do que a pequena parcela remunerada com supersalários, esses trabalhadores estão na linha de frente de políticas essenciais, o que acaba impactando nos serviços prestados à população e na atração e retenção de profissionais vocacionados e qualificados para as áreas críticas de desenvolvimento do país.
O Estado brasileiro precisa de um modelo de gestão de pessoas que seja eficiente e alinhado às melhores práticas. Precisamos construir uma política remuneratória justa, que reconheça o trabalho dos servidores públicos de acordo com seus cargos, funções e entregas para a sociedade. Isso significa estabelecer normas transparentes e mecanismos de controle para garantir que os recursos públicos sejam destinados de forma responsável.
A manutenção desses privilégios compromete investimentos essenciais em áreas como saúde, educação e infraestrutura, impactando negativamente a vida de milhões de pessoas. No momento em que o Brasil discute reformas para equilibrar suas contas públicas, é inissível que uma pequena parte do funcionalismo siga recebendo supersalários e comprometendo os cofres públicos. O fim dos supersalários é uma questão de justiça e de compromisso com o futuro do país.