Opinião

A política comercial de Trump e o futuro incerto do comércio internacional

O mundo assiste apreensivo a mais um capítulo da disputa entre interesses nacionais e a governança global. Com consequências imprevisíveis

. -  (crédito: Win McNamee/Getty Images/AFP)
. - (crédito: Win McNamee/Getty Images/AFP)

Celso Henrique Cadete de Figueiredodoutor em direito internacional (USP), mestre em direito econômico (UFPB) e professor do MBA de Relações Governamentais da FGV

A política tarifária voltou ao centro do debate econômico com a proposta do presidente dos Estados Unidos Donald Trump de aplicar "tarifas recíprocas" como instrumento de correção de desequilíbrios comerciais. O que se apresenta como uma medida de justiça comercial é, na verdade, uma ruptura com as regras do sistema multilateral de comércio. Em vez de se basear em práticas desleais reconhecidas, como dumping ou subsídios, Trump propõe tarifas proporcionais ao deficit comercial dos EUA com cada país, desconsiderando os fundamentos econômicos que explicam esses desequilíbrios.

Essa abordagem, além de tecnicamente insustentável, ignora os fundamentos da interdependência econômica global e desconsidera as complexas cadeias de valor em que os EUA estão inseridos. Elas não apenas carecem de base jurídica nos tratados da Organização Mundial do Comércio (OMC), como introduzem um critério de aplicação profundamente equivocado. Em vez de se basearem na tarifa média efetiva aplicada por seus parceiros comerciais — como é de praxe nas avaliações técnicas multilaterais —, essas tarifas se pautam unicamente no deficit comercial bilateral dos EUA com cada país.

A lógica é simplificada: quanto maior o deficit, maior será a tarifa. Em termos práticos, se os Estados Unidos importam US$ 200 bilhões de um país e exportam apenas US$ 100 bilhões, Trump sugere aplicar uma tarifa de 50% sobre as importações, para "equalizar" o volume de comércio. É uma fórmula aritmeticamente direta, mas economicamente absurda, pois desconsidera as causas estruturais dos deficits, como especialização produtiva, consumo doméstico, taxas de câmbio, acordos regionais e inserção em cadeias globais de valor.

Essa estratégia também ignora as regras fundamentais da OMC, como a cláusula de nação mais favorecida (NMF) e o princípio do tratamento nacional. E reduz o comércio internacional a uma relação de soma zero, contrariando os fundamentos básicos da lógica do ganho mútuo que sustenta o sistema multilateral desde Bretton Woods.

Essa abordagem, além de juridicamente questionável, pode provocar efeitos adversos, como inflação, desorganização de cadeias produtivas e escalada retaliatória. Estima-se que as tarifas podem aumentar a inflação americana em até 0,7% ao ano, pressionando os consumidores e as indústrias locais. Países como China, Canadá, União Europeia já se preparam para responder com contramedidas que vão desde a limitação de exportações estratégicas até projetos de lei que preveem a adoção de tarifas por reciprocidade.

O Brasil, por sua vez, aprovou o Projeto de Lei nº 2088/2023 (PL da Reciprocidade Econômica), que visa permitir o aumento do imposto de importação como medida de retaliação quando o país for alvo de tratamento desigual em termos de barreiras tarifárias. A proposta prevê que, sempre que um produto nosso for sobretaxado por um parceiro comercial de maneira incompatível com os padrões internacionais, poderemos aplicar tarifas equivalentes sobre produtos originários daquele país. 

O futuro é incerto e perigoso. Ao dobrar a aposta pela guerra tarifária adotada no primeiro mandato (2017-2021) e recrudescida no alvorecer deste segundo mandato, Trump coloca em jogo não apenas o saldo comercial dos EUA, mas o próprio funcionamento do sistema internacional de comércio. As medidas do governo americano marcam uma guinada unilateralista com potencial de corroer os pilares do multilateralismo e da previsibilidade que sustentam o comércio global desde o pós-guerra.

Não há respostas fáceis. O Brasil, até o momento, mesmo com a aprovação do PL da Reciprocidade, adota uma postura de cautela, optando por negociar e eventualmente recorrer ao mecanismo de solução de controvérsias da OMC. Contudo, as incertezas são tantas que o comércio internacional vive, hoje, um verdadeiro "dia de cada vez".

Resta saber se a pressão de grandes empresas — inclusive de aliados políticos de Trump, como Elon Musk, cujas companhias já amargam bilhões de dólares em perdas — será suficiente para reverter ou ao menos moderar essa nova onda protecionista. Enquanto essas questões seguem sem solução, o mundo assiste apreensivo a mais um capítulo da disputa entre interesses nacionais e a governança global. Com consequências imprevisíveis. 

 


Por Opinião
postado em 17/04/2025 06:00
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