Opinião

A luta pela criação de um Memorial no antigo DOI-Codi

Essa é uma luta que se arrasta desde janeiro de 2014, quando o complexo arquitetônico foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), com a recomendação de que ali fosse criado um Memorial, em homenagem às vítimas da tortura

 Vestígios de sangue encontrados em escavações expõem tortura de presos no antigo DOI-Codi -  (crédito:  Arquivo Publico SP)
Vestígios de sangue encontrados em escavações expõem tortura de presos no antigo DOI-Codi - (crédito: Arquivo Publico SP)

MOACYR DE OLIVEIRA FILHO — Jornalista, diretor de Jornalismo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), colaborou com Comissão Nacional da Verdade da Presidência da República. Em 1972, foi capturado e torturado pelo DOI-Codi

Os caminhos para a construção de um museu-memorial no complexo arquitetônico, onde funcionou o DOI-Codi do II Exército, entre as ruas Tutóia, Tomás Carvalhal e Coronel Paulino Carlos, no bairro do Paraíso, em São Paulo, começam a ser debatidos, por acadêmicos, juristas, ex-presos políticos e entidades envolvidas nessa luta, no workshop Memorial antigo DOI-Codi: o museu memorial que queremos, que será realizado no dia 15 de fevereiro, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, na Bela Vista, em São Paulo.

Essa é uma luta que se arrasta desde janeiro de 2014 quando o complexo arquitetônico foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat), com a recomendação de que ali fosse criado um Memorial, em homenagem às vítimas da tortura.

Em junho de 2021, o Ministério Público de São Paulo entrou com uma Ação Civil Pública, na 14ª Vara da Fazenda Pública, pedindo a transferência dos prédios da Secretaria de Segurança Pública para a Secretaria de Cultura e o início do processo de criação de um Centro de Memória.

Em 9 de setembro de 2021, foi realizada, ali, uma audiência de conciliação, quando o governo de São Paulo pediu um prazo de 90 dias para apresentar uma contraproposta. O que, até hoje, não aconteceu.

Pela primeira vez, a Justiça, na pessoa do juiz José Eduardo Cordeiro Rocha, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, pisou oficialmente naquele centro de tortura.

Entre 2 e 14 de agosto de 2023, foram realizadas escavações arqueológicas, com o objetivo de explorar os vestígios do local, como objetos, estruturas arquitetônicas e registros documentais. A investigação foi feita por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Em junho de 2024, com as atividades desenvolvidas pelo GT Memorial DOI-Codi, coordenado pela historiadora Deborah Neves, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), aquele espaço foi reconhecido como Ponto de Memória pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).

Estima-se que de 1969 a 1976, cerca de 7 mil pessoas foram presas ali, quase todas torturadas, das quais 78 foram mortas por ação direta de seus agentes, sob martírio, ou executadas em operações de rua, sendo 38 delas na tortura.

O objetivo final dessa luta é a entrega de todo o complexo arquitetônico tombado, da Secretaria de Segurança Pública para a Secretaria de Cultura e sua transformação em memorial.

No entanto, deve-se entender as dificuldades de se conquistar isso, uma vez que, ao contrário do prédio velho, que está totalmente desocupado, o espaço onde funciona a 36ª DP está hoje parcialmente ocupado por órgãos da Polícia Civil, que resiste em liberá-los. E devem estar abertos para aceitar uma eventual contraproposta que seja apresentada, excluindo o prédio da Delegacia.

Ex-presos que ali aram entendem que na principal sala de tortura devem ser reproduzidos um pau de arara, uma cadeira do dragão, uma máquina de choque, conhecida como "pimentinha", e um capuz, e que as celas, hoje descaracterizadas por várias reformas, devem ser reconstituídas como eram na época.

Sugerem que sejam colocadas fotos dos 78 mortos, com suas biografias, a reprodução de fichas de identificação de alguns dos presos, a grade de presos, declarações de próprio punho, e exibição de vídeos de depoimentos de ex-presos.

E os torturadores? O que fazer com eles? Não há clareza sobre isso, mas deve se pensar sobre a possibilidade de um espaço onde seus nomes e codinomes seriam relacionados, vinculando-os aos assassinatos pelos quais são os principais responsáveis, e, quem sabe, fotos dos mais notórios.

Essas são algumas questões que devem ser discutidas no workshop, mas o importante é que todos os envolvidos no debate — acadêmicos, juristas, entidades, ex-presos, estejam unidos para que se conquiste o Memorial possível, que retrate com precisão o que era aquele ambiente de terror.

"A sucursal do inferno", como gostava de alardear o comandante do DOI-Codi, o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, o Doutor Tibiriçá, um dos ídolos do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!

 


Correio Braziliense
postado em 09/02/2025 06:00
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