
Era pouco mais de meio-dia em Mareterra, o bairro mais novo de Mônaco, e uma multidão se aglomerava no terraço de Marlow, o primeiro restaurante britânico de alta gastronomia do principado.
Ali perto, trabalhadores descansavam nos amplos degraus à beira-mar durante o horário de almoço. O eio do Príncipe Jacques, uma arela de 800 metros que contorna todo o perímetro marítimo de Mareterra, estava repleto de pessoas se exercitando e pais empurrando carrinhos de bebê.
Parei para apreciar a vista sobre a imensidão azul do mar, em direção ao cabo arborizado de Roquebrune-Cap-Martin e, mais adiante, à Itália. A área se integrava tão perfeitamente à paisagem ao redor que era difícil lembrar que, há apenas seis meses, aquilo ainda era um canteiro de obras — e que oito anos atrás, onde eu estava parada, havia o mar Mediterrâneo.
Esse bairro, um projeto de 2 bilhões de euros (cerca de R$ 12,8 bilhões na conversão atual), inaugurado em dezembro de 2024, é a resposta mais recente de Mônaco a uma pergunta que é feita há mais de 150 anos: como se expandir quando já não há mais espaço disponível?

Caminhando pelo calçadão, encontrei uma entrada discreta, quase escondida. Me abaixei para ar por uma porta que dava o a uma trilha, adentrando uma antecâmara escura de concreto.
Ali, outra porta se abria para o interior oco de um dos 18 caixotes gigantes, câmaras de 10 mil toneladas e 26 metros de altura que se assentam lado a lado como se fossem peças de Lego no fundo do mar. Sua função é dar forma à infraestrutura marítima do mais novo bairro.
No espaço escuro e sem luz, meus olhos demoraram um pouco para ver o que meus ouvidos reconheceram imediatamente: ondas quebrando contra um muro. Olhei por cima de uma grade que me separava do mar. O Mediterrâneo surgia como se chamasse minha atenção, enquanto a câmara de concreto permanecia silenciosa e imóvel, absorvendo o impacto das ondas.
O topo de cada caixote, conhecido como câmara Jarlan, fica acima da linha de flutuação para permitir o fluxo de água através de estreitas aberturas verticais no lado externo. O design foi projetado para atuar como um quebra-mar, absorvendo e dispersando a energia das ondas.
"Isso significa que, mesmo durante tempestades históricas, as ondas não subirão muito nem inundarão [Mareterra]", disse Guy Thomas Levy-Soussan, diretor gerente da SAM L'Anse du Portier, a construtora de Mareterra, enquanto estávamos na Gruta Azul, como esse espaço é chamado em homenagem à Gruta Azul de Capri.
"Quando o sol brilha através das aberturas da câmara Jarlan pela manhã, o espaço adquire um tom ligeiramente azulado", disse, explicando a escolha do nome.
A Gruta Azul não brilha como as quatro paredes adornadas com quartzo rosa pastel e lavanda lilás na sala vizinha de meditação e contemplação silenciosa, desenhada pela artista vietnamita Tia-Th?y Nguy?n.
Eu provavelmente me sentiria um pouco desconfortável por estar sozinha em um lugar escuro. Mas, rapidamente, o espaço se transformou em um dos lugares mais incomuns e discretos do principado mediterrâneo, atraindo um fluxo constante de pessoas como eu, curiosas para conhecer os bastidores da engenhosidade que envolve tomar terra do mar.
Construindo sobre o mar
A recuperação de terras não é nova em Mônaco — o segundo menor país do mundo depois do Vaticano —, onde moram 38 mil pessoas em um território de pouco mais de 22 km².
Embora uma grande parte da população seja milionária, ela continua vivendo no país mais densamente povoado do mundo.
Cercado pela França e sem espaço para crescer, Mônaco tem recorrido ao mar para lidar com a falta de território. Desde 1907, cerca de 25% de sua área foi conquistada ao mar, incluindo a zona de praia, Le Larvotto, o Porto Hércules — repleto de superiates — e o bairro de Fontvieielle, a oeste do Palácio do Príncipe de Mônaco.
Se Rainier 3º, que chegou ao poder em 1949, construiu a reputação de ser "o príncipe construtor", seu filho, o atual soberano Albert 2º, continua a tradição. Em 2013, ele anunciou seus planos de recuperar seis hectares em frente à costa, perto de Larvotto, no extremo leste de Mônaco, batizando posteriormente a área de Mareterra para refletir sua conexão com o mar e a terra.
O bairro aumentou o território do principado em uns 3% e compreende dois blocos de apartamentos residenciais (incluindo um projetado pelo célebre arquiteto italiano Renzo Piano), dez vilas e quatro casas geminadas, uma pequena marina, 14 estabelecimentos comerciais e três hectares de espaço público.
Mareterra se encaixa como a peça que faltava em um quebra-cabeça do litoral monegasco. Fica ao lado do Fórum Grimaldi — um espaço de eventos que frequentemente recebe exposições itinerantes de arte e espetáculos — e do Jardim Japonês, plantado em 1994 com pinheiros mediterrâneos e oliveiras, segundo os princípios do design zen.
Ambos os locais puderam se expandir graças à ampliação.
Ecológico
Seguindo o compromisso do príncipe de alcançar a neutralidade de carbono no principado até 2050, Mareterra foi feito para ser o canto mais verde de Mônaco.
Nove mil metros quadrados de painéis solares, 200 estações de carregamento para veículos elétricos e 800 árvores estão entre as iniciativas ecológicas do bairro.
Logo na entrada da Gruta Azul, um vídeo de cinco minutos é reproduzido, mostrando como o projeto lidou com a inevitável perturbação marinha que esse tipo de construção provoca.
Os caixotes também desempenham um papel fundamental; relevos e ranhuras foram moldados em sua construção para estimular a colonização da flora e fauna marinhas.
Alguns segmentos chegaram a ser lixados à mão para adicionar textura. As câmaras de Jarlan têm uma vantagem adicional: recriam áreas rasas onde os peixes podem entrar e sair rapidamente.

Contudo, o desafio mais sensível foi mudar de lugar 384 metros quadrados de Posidonia oceanica, um tipo de vegetação marinha nativa que desempenha um papel crucial no ecossistema do Mediterrâneo e é protegida pela legislação da União Europeia.
Por meio de uma técnica inovadora, uma máquina, parecida com a que tira árvores, foi adaptada para remover as plantas de Posidonia. Elas foram colocadas em cestos e replantadas a 200 metros de distância, na Área Marinha Protegida de Larvotto.
"Normalmente transportamos as plantas de Posidonia uma a uma", explicou Sylvie Gobert, oceanóloga da Universidade de Liège, na Bélgica, que colaborou com o projeto. "O que foi realmente inovador é que nós levamos a Posidonia, junto com todo seu ecossistema radicular e aproximadamente um metro cúbico de sedimento."
Harmonia
Assim como a Posidonia parece ter se acostumado com seu novo lugar, o mesmo aconteceu com Mônaco em Mareterra. Ao observar a área, notei a rapidez com que os tons suaves de azul e cinza do Le Renzo — o impressionante prédio residencial de Piano que se ergue como um guardião sobre a vizinhança — se tornaram algo familiar na paisagem.
Perto dali, Quatre Lances, uma escultura do artista americano Alexandre Calder, que foi comprada pela mãe do príncipe Albert, Grace Kelly, na década de 1960 e estava esquecida em um depósito, se tornou um ponto de encontro para as pessoas.
No meio da natureza, um pequeno caminho chamado La Pinède a por um jardim rochoso com pinheiros-de-Alepo e pinheiros-mansos, as mesmas espécies que encontramos quando andamos por Provença.

Evidentemente, essas não são as atrações pelas quais Mônaco é famoso. A área foi pensada para os moradores locais, com apenas algumas lojas e restaurantes, ainda que os turistas venham a aproveitar seus jardins tranquilos, a vista para o mar e a engenhosidade que tornou possível a construção de Mareterra.
Apesar de suas ambições ecológicas, Mareterra deixa dúvidas sobre sua real necessidade. Ainda que se apresente como uma solução para os problemas de habitação no país, especula-se que os preços dos imóveis comecem em 100 mil euros (cerca de R$ 645 mil na conversão atual) por metro quadrado, o que torna a região uma das áreas residenciais mais caras do mundo.
Além disso, nenhuma das novas residências foi reservada para os monegascos, que são quase 10 mil e têm direito à habitação social.
No entanto, em Mônaco, há confiança de que Mareterra não é o fim da sua história de crescimento.
"Para o príncipe Albert, se não tem construção, o país está parado", declarou Nancy Heslin, cofundadora de Carob Tree Publishing, a primeira editora monegasca composta exclusivamente por mulheres, que já entrevistou o príncipe em várias ocasiões.
"O país sempre buscará expandir seu território", afirmou.
"Enquanto houver o desejo e as condições para expandir nos limites do possível, tanto em escala tecnológica quanto ecológica, o principado será um exemplo a ser seguido por outras cidades costeiras, como laboratório desse tipo de inovação" disse Levy-Soussan.
"Mônaco é um país pequeno que tem feito coisas extraordinárias."
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