
Cidade do Vaticano — O recado de como o próximo papa deve ser partiu de ninguém menos do que o cardeal Dom Giovanni Battista Re, 91 anos, decano do Colégio Cardinalício e um dos mais respeitados membros da Cúria Romana. "Estamos aqui para invocar a ajuda do Espírito Santo, para implorar sua luz e força, a fim de que seja eleito o papa que a Igreja e a humanidade precisam neste momento tão difícil e complexo da história!", declarou em sua homilia, diante de uma Basílica de São Pedro completamente lotada. Ao celebrar a missa Pro Eligendo Pontífice, Re considerou que os 133 cardeais eleitores no conclave, sentados à sua frente, fariam um "ato de máxima responsabilidade humana e eclesial". O decano lembrou que cada sucessor do apóstolo Pedro tem a tarefa de crescer a comunhão de todos os cristãos com Cristo, a comunhão dos bispos com o papa e a comunhão dos bispos entre si.
Dom Giovanni Battista Re pediu também que Deus conceda à Igreja "o papa que melhor saiba despertar as consciências de todos e as energias morais e espirituais na sociedade atual, caracterizada por um grande progresso tecnológico, mas que tende a se esquecer de Deus". "Que a Bem-Aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, nos auxilie com a sua materna intercessão, para que o Espírito Santo ilumine as mentes dos cardeais eleitores e os torne concordes na eleição do Papa de que o nosso tempo necessita", declarou.
O Correio acompanhou a missa Pro Eligendo Pontífice de dentro da Basílica de São Pedro. Em vários momentos, era possível ver fiéis em lágrimas, enquanto o coral cantava músicas sacras. Mais 30 mil pessoas acompanharam atentamente cada detalhe. Depois de uma tarde solene, com rituais que antecedem o escrutínio do conclave (leia abaixo), a fumaça escura sinalizou que a votação continuaria com duas rodadas na manhã de hoje, com liberação da fumaça ao meio-dia (7h em Brasília), e, caso não se decisão sobre um novo papa, mais duas votações no período da tarde, com a fumaça emitida da Capela Sistina por volta das 19h (14h em Brasília).
A demora no aviso vindo da chaminé, no primeiro dia de conclave, teria uma série de explicações. As alternativas vão desde o complexo rito de votação, antes da votação, o ex-pregador da Casa Papal e cardeal Raniero Cantalamessa, de 90 anos, teria feito um sermão maior do que o costumeiro, na Capela Sistina. Além disso, muitos eleitores não têm experiência em conclaves e podem ter tido dificuldades na hora do voto. O jornal La Stampa divulgou que os cardeais Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, e o filipino Luis Antonio Tagle teriam firmado um suposto acordo para não prolongar o conclave, mas especialistas item que tal informação não a de ilação, pois é impossível saber exatamente o que acontece dentro da Capela Sistina durante o conclave.
Compromisso
Silvonei José Protz, responsável pela Rádio Vaticano e pelo site Vatican News em português, explicou ao Correio que os cardeais reunidos nas 12 Congregações Gerais ressaltaram a importância de virtudes, como o pastoreio, a construção de pontes e o compromisso com a reforma da Igreja iniciada por Francisco. "O novo papa deverá repsoner aos desafios contemporâneos da Igreja, aos abusos, às questões econômicas, à renovação da Cúria Romna, à sinodalidae, ao compromisso com a paz e o cuidado com a criação e com ênfase na missão do novo papa como um 'Pontifex' — literalmente, um construtor de pontes. Segundo Silvonei, a Igreja busca um pastor, um mestre de humanidade e um rosto de uma Igreja samaritana. "Diante de um cenário mundial marcado por guerras, polarizações e violências, um papa da misericórdia, da escuta sinodal e da esperança", previu. Ele não tem dúvidas e que o pedido do cardeal Re é pela continuidade do legado do papa Francisco.
Especialista em Vaticano e doutor em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana (em Roma), Filipe Domingues itiu à reportagem que a perspectiva traçada pelo decano do Colégio Cardinalício vem sendo debatida no seio da Igreja Católica há muitas décadas. "O mundo se desenvolve, mas muitas vezes as pessoas pensam em não precisar de Deus. Ele traz essa reflexão, mas não vejo nada muito diferente. É uma forma de dizer que o papa tem que responder ao mundo de hoje. Cada papa existe para um tempo."
Católicas protestam
Ativistas católicas agitaram sinalizadores rosas perto do Vaticano para exigir a nomeação de sacerdotisas, no in´cio do conclave. Em um parque com vista para a cúpula da Basílica de São Pedro, onde os cardeais estão reunidos, elas parodiaram a tradicional fumaça branca que anuncia a eleição do papa, pedindo que mulheres também possam se apresentar para a ordenação.
"Não podem continuar ignorando 50% da população católica" e "se trancar em uma sala para discutir o futuro da Igreja sem a metade dela", afirmou Miriam Duignan, do Instituto Wijngaards de Pesquisa Católica;
Do silêncio à expectativa
Por vários momentos, o silêncio predominou na Praça de São Pedro. Assim que os 133 cardeais eleitores começaram a entoar a Ladainha de Todos os Santos, escutava-se apenas a música sacra a partir dos telões transmitindo de dentro da Capela Paulina, no Palácio Apostólico, e o barulho de um helicóptero. Depois, durante a procissão dos cardeais até o interior da Capela Sistina, Vinde Creator ("Vinde, Criador") era ouvida em toda a praça, seguida dos juramentos de cada um dos purpurados.
Dom Odilo Shcherer, arcebispo de São Paulo, foi o primeiro dos brasileiros a prestar juramento; o arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa, o último. "Et ego (nome), Cardinalis (sobrenome), spóndeo, vóveo ac iuro. Sic me Deus ádiuvet et haec Sancta Dei Evangelia, quae manu mea tango" (E eu —´nome —, Cardeal — sobrenome—, prometo me obrigo e juro. Assim Deus me ajude e estes santos Evangelhos que toco com a minha mão", declararam, ao tocarem o Livro dos Evangelhos com a mão direita.
Após o mestre de cerimônias pronunciar o Extra omnes ("Todos para fora"), o barulho das portas da Capela Sistina sendo fechadas e trancadas foi a mensagem de que começava o momento mais solene da Igreja Católica, às 17h45 no horário de Roma (12h45 em Brasília).
Foram duas horas e 15 minutos de expectativa envolvendo 30 mil fiéis e jornalistas na Praça de São Pedro. Todos os olhos voltados em uma única direção: a chaminé sobre o telhado triangular da Capela Sistina. Vez ou outra, palmas irrompiam entre a multidão, talvez na ânsia de chamar a atenção dos cardeais e apressar a tão esperada fumaça. Ela veio às 21h em ponto (16h em Brasília), sem grandes surpresas: era a escura, sinalizando que ainda não havia um escolhido.
Na multidão, muitos brasileiros, a Bandeira do Brasil podia ser vista de longe. Padres, freiras e fieis rezavam.