
Enviado Especial
Roma — A cena tem sido rotineira: um batalhão de jornalistas avança sobre o cardeal com uma enxurrada de perguntas — 5.700 repórteres estão na Cidade do Vaticano. Alguns dos purpurados preferem o silêncio. Outros, principalmente aqueles com 80 anos ou mais, atendem a imprensa. A Cidade do Vaticano respira o conclave. A poucos metros da Sala Paulo VI, os repórteres soltam as perguntas e esperam que os "príncipes da Igreja" deem alguma dica sobre um candidato preferido.
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Os preparativos para a votação secreta de amanhã se intensificam na mesma proporção das especulações sobre os favoritos. A imprensa italiana divulga que Pietro Parolin, 70 anos, secretário de Estado do Vaticano, é o mais cotado para o Trono de São Pedro, seguido por Pierbattista Pizzaballa, 60, patriarca de Jerusalém; pelo filipino Luis Antonio Tagle, 67; e pelo progressista Matteo Maria Zuppi, 69, arcebispo de Bolonha. Em um conclave, no entanto, predomina a imponderabilidade.
Durante a 11ª Congregação Geral dos Cardeais, que contou com 170 cardeais (132 deles eleitores), a Santa Sé anunciou que os purpurados debateram temas como a missão pastoral da Igreja, a migração e o compromisso com um novo papa que seja um "verdadeiro pastor", que caminhe até os confins da Igreja, promovendo o diálogo e construindo relacionamentos com outras religiões e culturas.
Todos os 133 cardeais eleitores estão em Roma. As cortinas da varanda da Basílica de São Pedro, onde o próximo papa dará a bênção aos fiéis, foram instaladas ontem. A Capela Sistina, local da votação, recebeu bloqueadores de celulares e está praticamente pronta para sediar o conclave. Na tarde de ontem, na Capela Papal do Palácio Apostólico, as autoridades e funcionários que trabalharão na eleição juraram silêncio.
A última rodada da Congregação Geral de Cardeais ocorrerá às 9h de hoje. À noite, todos os cardeais, incluindo os sete brasileiros que votam, entrarão na casa Santa Marta — o local de moradia do papa Francisco, que se recusou a morar no Palácio Apostólico. Assim que ingressarem na residência, os purpurados serão obrigados a entregar seus celulares, devolvidos somente após o conclave. O conclave começará às 16h30 de Roma (11h30 em Brasília), depois de procissão solene dentro da Capela Sistina.
Durante todo o processo de escolha do novo papa, as autoridades italianas cortarão os sinais de celulares na Cidade do Vaticano. Na casa Santa Marta, além de não usarem o telefone, os celulares não terão o à internet, à televisão ou a veículos de imprensa. Tudo para resguardar o sigilo e para não influenciá-los no momento do voto. O famoso anúncio do novo papa — "Habemus papam!" ("Temos um papa!") — será feito pelo protodiacono francês Dominique Mamberti.
Pela manhã, o Correio conversou com o cardeal eleitor Louis Raphael Sako, 76 anos, de Bagdá, que sinalizou o que espera de um pontífice. "Um papa realista não vive em seu palácio. Como ele saberá das novidades? Como agirá? Como vai orientará o povo, segundo a nossa fé?", questionou. Também eleitor, ao ser questionado se a Igreja seguirá o caminho de Francisco, o cardeal indiano Anthony Poola, 64, elogiou a pergunta da reportagem. "É muito boa essa questão. Não há dúvidas de que ele foi um grande líder, abençoado pela Nossa Senhora para cuidar de nossa Igreja universal. Agora, entendemos que devemos escolher o sucessor de São Pedro", comentou, ao sair da primeira reunião do dia da Congregação Geral de Cardeais.
Os fiéis não escondem a ansiedade com a escolha do novo papa. "Quero um papa que seja como Francisco. Espero um papa bem católico, para que nos compreenda. Que Deus abençoe um novo papa", disse o equatoriano Giuseppe Farinango, 79, morador de Quito, que pretende estar na Praça de São Pedro amanhã. A nigeriana Temitope Rosemary Adewusi, 45, disse não ter preferência por um novo pontífice. "Acredito que o Espírito Santo está no comando de escolher um papa para nós. Quem for o próximo pontífice seguirá os os de Francisco", afirmou à reportagem.
Sucessão
Piero Schiavazzi, professor de geopolítica do Vaticano da Università Link (em Roma), explicou ao Correio que a história julga os papas por sua capacidade de deixar aos sucessores uma Igreja maior e, ao mesmo tempo, mais coesa. "No entanto, a extensão externa e a coesão raramente andam de mãos dadas. Na verdade, muitas vezes uma é alcançada às custas da outra. Este será o dilema dos 133 cardeais: eles têm consciência de que Francisco deixa uma Igreja geográfica e sociologicamente maior, ao expandi-la para a Ásia e para alguns grupos sociais, para gays e para divorciados, que antes permaneciam à margem", disse.
Ao mesmo tempo, Schiavazzi vê os cardeais profundamente divididos. "Há aqueles que gostariam de se aprofundar no diálogo homeopático com o mundo, tomando pequenas doses de cultura relativista, e aqueles que, ao contrário, gostariam de tomar o antibiótico da ortodoxia e de se libertar do germe de uma certa ambiguidade doutrinária."
As chances do Brasil
O italiano Piero Schiavazzi, professor de geopolítica do Vaticano da Università Link (em Roma), usou uma metáfora futebolística para abordar as chances do Brasil no conclave que começa amanhã. "Esta Copa do Mundo (o conclave é, em certo sentido, comparável à Copa do Mundo da Igreja Católica), apresenta um número maior de possíveis candidatos do que em 2013, quando o postulante brasileiro era apenas um, Dom Odilo Scherer", afirmou ao Correio "Hoje, eu veria mais Leonardo Steiner perito, até cenograficamente, para encarnar o símbolo da continuidade com o pontificado ecológico de Francisco."
No entanto, ele reconhece que, "como a Copa do Mundo acabou de acontecer na América do Sul, é improvável que dois torneios sejam realizados no mesmo continente".
O vaticanista entende que o perfil de Odilo Scherer respondeu a uma necessidade muito sentida em 2013, depois do caso Vatileaks (vazamento de documentos secretos da Santa Sé). "Naquela época, buscava-se um candidato que viesse de fora, mas que, ao mesmo tempo, tivesse vivido um período na Cúria e fosse capaz de reformá-la sem ser engolido por ela", observou Schiavazzi. Depois de 12 anos pontificado de Francisco e das reformas implementadas pelo jesuíta argentino, esse problema parece ter sido amplamente superado, na opinião dele.
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