Riscos ocupacionais

Por um ambiente laboral seguro e sadio

Levantamento dos Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do DF (Cerest-DF) mostra aumento de 178,1% na taxa de acidentes de trabalho na capital do país

Lara Costa*
postado em 18/05/2025 00:01 / atualizado em 21/05/2025 16:25
João Ferreira, o Índio: fundador do Instituto Duas Rodas, ONG que luta por melhorias das condições de vida dos motoqueiros acidentados
 -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
João Ferreira, o Índio: fundador do Instituto Duas Rodas, ONG que luta por melhorias das condições de vida dos motoqueiros acidentados - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O Distrito Federal registrou, ano ado, 10.026 acidentes de trabalho, segundo Levantamento do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do Distrito Federal (Cerest-DF). O número subiu 178,1% em relação aos casos notificados em 2022 (3.605) e mostram um cenário alarmante no que diz respeito à segurança do trabalho. As profissões mais atingidas são: pedreiros, que lideram a lista com 2.353 casos, no total; técnicos de enfermagem, que tiveram 1.861 atingidos; e os motociclistas de aplicativo, com 883 atingidos.

Ainda segundo o levantamento do Cerest-DF, as causas registradas foram causadas por operações de máquinas e equipamentos, chegando a 7.005 casos nos últimos três anos; quedas (4.254) e acidentes de trabalhos (1954), ou seja, quando não há definição sobre o agravo.

Bruna Soares, gerente substituta do Cerest-DF, acredita que os dados não só evidenciam as categorias mais expostas, como também na tomada de iniciativas, como o planejamento de medidas de prevenção, direcionamento de políticas públicas e intervenções onde há maior risco.

Ela vê que essas informações podem levar ao debate sobre os impactos do trabalho informal para a saúde dos trabalhadores. "Os números dão visibilidade a categorias que muitas vezes ficam à margem das discussões, como os entregadores e os trabalhadores informais, o que é essencial para fortalecer a promoção da saúde e garantir mais proteção."

Na contramão da pesquisa, o Sindicato da Indústria da Construção Civil no Distrito Federal (Sinduscon) fez um levantamento a partir de dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de 2023, mostrando que, na verdade, a profissão mais atingida pelos acidentes são os serventes de obras (35%), seguidos por  pedreiros (6%).

Insalubridade

José Antonio Magalhães Júnior, diretor de Políticas e Relações Trabalhistas do Sinduscon, fala que a profissão está mais exposta a acidentes por natureza, e uma das melhores soluções é a capacitação para os funcionários do setor, para que estejam mais preparados. "O treinamento deve ser pessoal, e fazer com que os trabalhadores acreditem no que estão fazendo, porque não adianta capacitar todos de uma empresa, se eles não acreditam no que estão e têm que aprender e rear para os outros", explica.

Além disso, ele cita outras medidas, como a melhoria nos canteiros, limpeza da obra e disponibilidade de Equipamento de Proteção Individual (EPI), como capacete, óculos, bota, cinto de segurança, entre outros. "Não adianta falar e entregar todos os equipamentos, é preciso explicar que existem e o que são os mecanismos específicos para situações simples", acrescenta.

Falta de estrutura

A diretora do Sindicato dos técnicos de enfermagem (Sindate), Josy Jacob, disse que a falta de estrutura das instituições corrobora com esse cenário enfrentado pelos técnicos de enfermagem, acrescentando outros fatores, como a falta de gerenciamento de riscos robusto e ausência de protocolos eficazes. "Superar esses obstáculos exige reestruturação das condições de trabalho, investimentos em capacitação e o fortalecimento de uma cultura de segurança que priorize a saúde do trabalhador."

A líder sindical também cita jornadas extensas, acumulo de funções e déficit de pessoal, como alguns dos desafios que podem levar ao cansaço físico e mental e a ocorrência de erros e acidentes, como cortes, perfurações e quedas. "Algumas das atividades realizadas majoritariamente pela categoria, como istração de medicamentos, coleta de materiais biológicos e cuidados direitos aos pacientes, expõe os profissionais a riscos constantes, muitas vezes agravados pela pressão gerada pela necessidade de uma tomada rápida de decisões e pela falta de tempo para adoção de medidas preventivas adequadas."

Precarização

Luiz Carlos Garcia Galvão, presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais de Brasília (Sindmoto DF), acompanha casos de acidentes e até óbito de motociclistas. Ele avalia que a precarização das condições de trabalho e os baixos salários não garantem a segurança no trabalho dos motociclistas de aplicativo, e defende que "a empresa teria que pagar o seguro de vida, para que reconheça, dentro da formalização esses acidentes, porque a maioria, quando formalizado, pode dar entrada na Previdência."

Sequelas

João Ferreira do Santos Júnior, mais conhecido como Índio, foi uma das vítimas: em 2021 sofreu dois acidentes: fraturou duas costelas e o tornozelo, em que teve lesão crônica; e no outro, fraturou o ombro, com sequela permanente. Mesmo sentindo dores por 24 horas, ele ainda trabalha e não recebeu nenhum amparo da Previdência, porque as empresas de aplicativo não garantem direitos trabalhistas.

Em 2023, ele criou o Instituto Duas Rodas, Organização Sem Fins Lucrativos (ONG), que visa melhorar a vida de motociclistas que sofreram acidentes, com visitas, doações de cestas básicas e outros itens. Índio já viu desde entregadores que, devido ao acidente, não conseguem mais andar e nem fazer outras atividades; até aqueles que não falam e se alimentam por sonda, devido a lesões na cabeça. 

Ao conversar com os acidentados, ele escuta que gostariam de ter trabalhado sob regime das Consolidações das Leis de Trabalho (CLT). "A opinião muda radicalmente, porque surge a necessidade de ter a carteira assinada, pois garante direitos, como o auxílio-doença, direito à aposentadoria", explica.

Mesmo com a iniciativa, ele não tem nenhuma expectativa de mudança nesse cenário. "Já levamos várias situações para os nossos líderes e políticos e, simplesmente, nada acontece, porque tem mais defesa das plataformas do que pelo trabalhador, sendo que quem colocou o político no poder foi um título de eleitor e não o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Se a gente não se ajudar, ninguém vai nos ajudar."

Consequências irreversíveis

O servente de obras Isaías Silva, 52 anos, caiu de um andaime de 10m de altura enquanto trabalhava, fraturando a coluna, o que o impossibilitou de trabalhar por seis meses, e depois de 10 anos do acidente, ainda sente dores. "Reduzi o ritmo de trabalho para 30%, o que impacta em outras questões, como o salário, porque se trabalho menos, minha produtividade diminui, e consequentemente, ganho 30% a menos."

Além disso, há a preocupação de ter outros problemas de saúde no futuro provocados pela queda. "Porque quando você cai, a pessoa futuramente pode ter algum sintoma, então eu tenho medo de adoecer daqui a cinco ou 10 anos, e não puder mais trabalhar."

Já Lazaro, nome fictício, 44 anos, teve que parar de trabalhar. Ele contraiu o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e depois, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), enquanto trabalhava como técnico em enfermagem há mais de 10 anos, só descobrindo dois anos mais tarde, quando percebeu que estava adoecendo frequentemente.

Ele foi aposentado e teve que enfrentar obstáculos, como os sintomas, estigma da doença, depressão, e a falta de apoio da família e do serviço. "Nunca  pensamos na possibilidade de contrair uma enfermidade dessa no trabalho, porque você está ali, cuidando com amor, zelo e ética com o paciente; ai acontece isso, e se vê ali sozinho, você surta", relata.

Mesmo não trabalhando na área, Lazaro vê de longe a situação dos técnicos, e defende que os profissionais precisam de respaldo. "Deveria ter apoio psicológico e remuneração melhores, para termos condições de ter um plano de saúde, para sobreviver àquele campo de guerra. Tem ainda a questão do risco e a insalubridade, além de seguir o protocolo de segurança", descreve.

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A doença ocupacional surge ou se agrava devido à atividade laboral, ou seja, é causada pelas características específicas da função desempenhada; já a doença do trabalho, por sua vez, é aquela que se deve às condições do ambiente de trabalho, como ruído, agentes químicos, ou falhas na segurança.

  •  13/03/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Acidente no trabalho, João Ferreira dos Santos Junior (entregador)
    13/03/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Acidente no trabalho, João Ferreira dos Santos Junior (entregador) Foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
  • Advogada Juliana Mendonça:
    Advogada Juliana Mendonça: "Empresa deve indenizar o funcionário acidentado" Foto: Fotos: Divulgação
  • Josy Jacob acredita que alguns desafios como jornadas extensas levam aos acidentes dos profissionais
    Josy Jacob acredita que alguns desafios como jornadas extensas levam aos acidentes dos profissionais Foto: Arquivo pessoal
  • Josy Jacob acredita que alguns desafios, como jornadas extensas, levam aos acidentes dos profissionais da saúde
    Josy Jacob acredita que alguns desafios, como jornadas extensas, levam aos acidentes dos profissionais da saúde Foto: Arquivo pessoal

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