Artes cênicas

Silvia Buarque e Zezé Motta apresentam espetáculos na capital

Artistas encenam dois espetáculos diferentes, mas que tratam de temáticas que se cruzam, como discriminação e preconceito

Zezé Motta na peça Vou fazer de mim um mundo -  (crédito: Wagner Loiola)
Zezé Motta na peça Vou fazer de mim um mundo - (crédito: Wagner Loiola)

São duas histórias distintas, porém ambas de reijeição, segregação e discriminação que Zezé Motta e Silvia Buarque contam nos palcos da cidade, em peças em cartaz até domingo. Zezé Motta dá voz à poeta, pensadora e ativista Maya Angelou em Vou fazer de mim um mundo, monólogo com direção de Elissandro de Aquino criado especialmente para a atriz, que celebra 80 anos de vida e 58 de carreira. Sob a direção de Leonardo Netto, Silvia Buarque vive Antonia, uma filha cuja homosexualidade é motivo de rejeição por parte da mãe, Elisa, vivida por Guida Viana.  

Um mundo imenso

Maya Angelou escreveu sete autobiografias e é o primeiro livro, no qual narra a trajetória no Arkansas racista e cruel dos anos 1930 e 1940, o escolhido pelo diretor Elissandro de Aquino para adaptar para Zezé Motta, que há 10 anos não fazia teatro e topou a empreitada. "Sou movida a desafios e também gosto de experimentar o novo", avisa a atriz, que ficou emocionada com o texto de Angelou. "Ela sofreu abusos, isso é algo muito cruel de se ler, de viver e de imaginar... Somente isso e não preciso dizer mais nada, eu acredito. Cada vez que eu toco nesse assunto, eu me emociono."

Elissandro fez um recorte de algumas situações do relato. "Esse primeiro livro vai até os 16 anos e dialoga com esse universo do Arkansas quando a segregação era extremamente forte e cultural. Buscamos um diálogo com o Brasil de hoje", avisa o diretor. "É sobre fatos reais e tudo que a Zezé fala em cena foi vivido pela Maya Angelou, mas a gente cruza com músicas nacionais, Seu Jorge, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Ney Lopes. Esse é o lugar que a gente chama o Brasil para a peça."

 

Há dois tipos de universos tratados pela autora no texto: o micro, do espaço íntimo e, por vezes, doméstico, e o macro, com questões que envolvem o quadro social, a segregação racial e o perigo representado pelos brancos naquela realidade. "Quando ela entra num campo micro, é muito interessante, é dentro da casa. Porque às vezes, a gente se sente protegido em casa, mas isso não aconteceu com ela. E esse projeto fica brincando com esses dois universos. A Maya vai apontar mazelas, inclusive, sobre a instituição familiar, que está carente, fragilizada e com muitas dores", explica o diretor.

Essa é a primeira vez que Zezé Motta encena um monólogo e Elissandro concebeu toda a adaptação pensando na atriz. "É um projeto que chamo de lunar, tem uma caraterística de intimidade, ela lê um caderno, se move muito pouco exatamente para que se concentre na palavra. Tem uma atmosfera dos griôs africanos. A gente fica muito ligado nessas palavras  que Zezé diz com muita força", conta o diretor. Para ele, a visceralidade e a intuição da atriz são fundamentais para dar força e sentimento ao texto.


Três perguntas//Zezé Motta


O que foi mais desafiador na construção desse monólogo?

O mais desafiador para mim foi parar a minha agenda para me dedicar a um projeto só. Eu sou atriz, sou cantora, quando não estou fazendo um filme, estou fazendo um show, quando não estou cantando nem atuando, estou fazendo palestra, enfim, eu tenho uma agenda extensa, o por muitos festivais de música no Brasil, tenho sempre muitos projetos pra gavar seja cinema, streaming, então assumir um espetáculo como esse, com semanas de ensaio, diversos meses com meus fins de semana todos dedicados ao projeto, foi bem difícil em aceitar, mas sou movida a desafios e também gosto de experimentar o novo. Eu estreei em 1967, fazendo Roda Viva do Chico Buarque de Hollanda, desde minha estreia eu nunca parei. Pensei bem, então voltar aos palcos fazendo teatro nesse exato momento, que completei 80 anos de vida, é sim uma boa escolha. O público amou.


O texto é uma autobiografia, mas há ali muitas histórias coletivas: com quais você mais se identifica?

Veja bem, as histórias das mulheres negras se cruzam umas com as outras, se você parar pra prestar atenção a grande maioria das mulheres negras, na infância, am pelos mesmos problemas. O abuso, as violações, os problemas de autoestima, o preconceito, o racismo. Somos vítimas de um monte de coisas. Se você parar pra ler a história dessas mulheres, você vai perceber que existem muitas coisas em comum. Outro dia eu fiz a narração da biografia da Viola Davis, foi a mesma coisa. Então eu posso te dizer que enquanto mulher negra, me identifiquei com muitos momentos vividos pela Maya. Foi bem doloroso para mim, chorei, me emocionei, doeu bastante, mas precisei encontrar e deixar que o meu lado atriz falasse mais alto e separasse a história do meu exercício de interpretar, porque a história em si é doída, triste, enfim, uma realidade...


O que representa para você, aos 58 anos de carreira, fazer um monólogo com as palavras da dra Maya Angelou?

Representa, para mim, uma coragem, tem que ter coragem colocar os pés na estrada, no palco, colocar o nome e o rosto na praça, tem que ter coragem para fazer algo novo, esse projeto é algo muito novo na minha vida. Não faço teatro tem mais de 10 anos.



 


  • A menina escorrendo dos olhos da mãe, peça com Silvia Buarque e Guida Viana
    A menina escorrendo dos olhos da mãe, peça com Silvia Buarque e Guida Viana Foto: NIL CANINE
  • Zezé Motta na peça Vou fazer de mim um mundo
    Zezé Motta na peça Vou fazer de mim um mundo Foto: Wagner Loiola
  • Zezé Motta na peça Vou fazer de mim um mundo
    Zezé Motta na peça Vou fazer de mim um mundo Foto: Wagner Loiola
postado em 15/05/2025 06:15 / atualizado em 15/05/2025 10:26
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