LITERATURA

Charles Cosac retoma a paixão de publicar livros com nova editora

Em entrevista, Charles Cosac conta como está retomando os trabalhos da editora que volta com o nome de Cosac e catálogo, sobretudo, de livros de história

Charles Cosac, que já ocupou o cargo de curador do Museu Nacional de Brasília -  (crédito: Fotos: Paulo H. Carvalho / Agência Brasil)
Charles Cosac, que já ocupou o cargo de curador do Museu Nacional de Brasília - (crédito: Fotos: Paulo H. Carvalho / Agência Brasil)

Agora apenas com o nome Cosac, a editora mítica de Charles Cosac está de volta às prateleiras das livrarias com uma série intitulada Crioula, um conjunto de cinco livros com temáticas históricas referentes ao Brasil dos séculos 17 e 18. São fruto de um encantamento que Charles conta estar vivendo ao descobrir textos de pesquisadores brasileiros que não necessariamente encontram eco no mercado editorial. 

Um ensaio da volta começou no ano ado, com o lançamento da Caixa Florindas: Preciosa Florinda e Joias na Bahia dos Séculos XVIII e XIX, reunião de textos escritos por 20 autores sobre a trajetória de Florinda Anna, ponto de partida para pensar sobre mulheres escravizadas e invisibilizadas que se firmaram como matriarcas após conseguirem prestígio econômico na sociedade baiana do século 19. Um tema tão preciso quanto os dos cinco livros de Crioula, que lançam oficialmente a volta da antiga Cosac Naify, agora apenas Cosac. 

Caçadores de baleias, de Wellington Castellucci Júnior, é uma investigação aprofundada em arquivos, museus e bibliotecas brasileiras sobre os baleeiros que atuavam na costa do país. Em Segunda visita da inquisição à Bahia (1618-1620), Angelo Adriano Faria de Assis e Ronaldo Vainfas trazem relatos de como as visitas inquisitórias eram desempenhadas nos trópicos. Viajantes de saias, de Ludmila de Souza Maia, mergulha nas impressões e relatos de duas mulheres viajantes improváveis para os tempos e Devoção negra, de Anderson José Machado de Oliveira, busca conexões entre Brasil e África por meio do estudo da religiosidade negra. 

Gênese da série Crioula

Por fim, Sinhás pretas, damas mercadoras, de Sheila de Castro Faria, professora de história aposentada da Universidade Federal Fluminense, se volta para a vida das escravas de ganho, que conseguiam obter certa renda em um mundo brutalizado e medonho para as mulheres negras. "A professora Sheila é daquelas que quer prova de tudo, é uma historiadora. Nós ficamos muito amigos e ela recebia muitas teses, tese para professor titular, tese de doutorando, até dissertações de mestrandos. E ela começava a falar dos livros, com os assuntos mais variados e mandava para eu ler. E ela falou: 'Vamos fazer?'. E foi o embrião, a gênese da série Crioula", conta Charles, que pretende lançar pelo menos cinco volumes por ano.

Para os próximos volumes da série, ele adianta que haverá temas como a secularização e regulamentação dos cemitérios no Brasil, o amor, a  doença e a cura. Há também uma retomada de títulos da Cosac e Naify e a edição de monografias de artistas contemporâneos, um dos nichos pelos quais a editora se tornou célebre. Nessa área, Charles afirma que há títulos previstos sobre Berna Reale, Daniel Senise, Jacques Leirner e José Rezende. Ainda este ano, a Cosac lança uma série de peças inéditas de Pier Paolo Pasolini — Orgia e Besta de estilo — e as obras completas de Glauber Rocha, que já pertenciam à editora. "Não é ambição", garante Charles. "Tem um acervo da Cosac Naify, muitos com demanda reprimida." 

A Cosac Naify publicou cerca de 1.600 títulos, boa parte deles de luxo, com capas duras e tratamento gráfico extremamente cuidadoso. Livros de arte eram o carro chefe da editora, que faliu em 2015 e acabou fechada. Em entrevista ao Correio, Charles Cosac, que foi diretor do Museu Nacional da República em 2020, conta por que resolveu retomar a editora e que cara quer dar à empresa.

Entrevista Charles Cosac

Como será o perfil da nova Cosac?

Ela  volta com um novo perfil, que é esse perfil  de se dedicar à história do Brasil com pessoas que não, necessariamente, tenham publicado, sejam nomes muito conhecidos, mas que estão pesquisando dentro das universidades. Eu queria abrir portas para autores e para para leitores. Certamente não são best-sellers, eles têm uma uma vocação para a didática, mas são livros para iniciados que abordariam o corpo docente. Mais do que o discente, eu acho. No momento que eu anunciei para mim mesmo que ia reabrir a editora, ela abriu mil frentes. A série Crioula é como eu começo a falar dela, foi ela que me fez pensar em reabrir a editora. No início, eu estava satisfeito só tendo essa série. Mas a ideia é misturar prosa, poesia, ficção. Um pouco em cada livro. Não vai seguir uma linha linear.

E por que tomou essa decisão, depois de um encerramento brusco da CosacNaify? 

Para preencher tempo, não é? Eu não consegui trabalho depois que saí do Museu Nacional da República. Eu também acho que não fui atrás, entende? Eu sou daqueles que espera que caia do céu. E eu adoro fazer livro. Eu acho que essa é a minha profissão, embora eu tenha assumido outros cargos, porque não tem curso de editor. Você vira editor. Você tem curso de editoração, que é outra coisa. E não existe essa profissão de editor. Eles falam publisher. Parece que eu só estou imprimindo, isso não é verdade. Tem toda uma pesquisa enorme atrás de cada um  desses livros que estamos lançando, pesquisadores no Nordeste, Norte, na região Sudeste, na região Centro-Oeste. Tem muita pesquisa atrás. Mas não foi feito do zero, entende? Foi um trabalho grande, muito grande. Esses livros são trabalhosos, mas são importantes, eu acho. Acho que a Cosac Naify, e não estou falando mal dela não, era muito gringa. A gente vivia muito de tradução. E eu tenho conseguido fazer parcerias maravilhosas, inclusive com a UNB. 

Então a Cosac vai ter uma pegada mais brasileira? 

Eu espero que sim. Eu não estou dizendo não aos estrangeiros, claro que vai ter. Eu estou gostando muito desse contato com o corpo docente. É um outro tipo de pessoa, diferente do que eu lidava no ado. Eu falava, essencialmente, com tradutores e com detentores de direitos autorais. Agora, converso com os professores, embora cada um do seu computador, eles são muito mais enriquecedores para mim. E,  para o meu grande prazer,  estou aprendendo muito. Estou aprendendo demais. Isso é gratificante.

Por que escolheu a história do Brasil como farol para a retomada?

Olha, acho que fui influenciado pela Sheila, que ela que me entusiasmou, ela que me contagiou. E é justamente a área de estudo que ela trabalha, dos segmentos. Isso não quer dizer que não vamos entrar no século 16 ou no século 20. Não é uma coisa tão datada assim, tão rígida. 

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Como vocês está se preparando para evitar as questões financeiras que levaram a Cosac Naify à falência?

Eu estou me preparando. Eu sei que trabalhar com cultura não traz retorno monetário. Os livros em quatro cores são caros, e estou fazendo Daniel Senise, Jacques Leirner, Berna Reale, José Rezende, estou com muitas monografias nas mãos em progresso. Em progresso, quer dizer, já com recurso captado, o pessoal já trabalhando. Esses livros ficaram condenados ao patrocínio, que não é uma coisa que me agrade, mas a gente tem que dialogar com a realidade. É importante que esse recurso que não está sendo aplicado em livros de arte reverta para livros de textos. Mesmo que eles contenham imagens coloridas. Eu tenho mais quatro sócios. E não existe um capital social. A gente está começando e alimentando a editora à medida que ela vai pedindo. Mas eu não vou repetir  os erros que cometi.

Que seriam quais? 

Ah, eu fazia tudo que queria. Esses livros da série Crioula, eu achei tão estranho não serem de capa dura, sabe? Me deu até uma certa angústia. Porque eu me preocupo muito com o livro, eu queria que fossem assim, todos de capa dura, com tecido, lindos, maravilhosos, mas não dá. Mas vai ter isso também, porque a gente tem patrocínio já para três livros que estão estão andando.


Série
Crioula
Completa

Cosac. R$ 471,80

 

 

  • Série Crioula, da Cosac
    Série Crioula, da Cosac Foto: Cosac
  • Série Crioula, da Cosac
    Série Crioula, da Cosac Foto: Cosac
  • Charles Cosac ficou cerca de um ano e meio na direção do Museu Nacional da República
    Charles Cosac ficou cerca de um ano e meio na direção do Museu Nacional da República Foto: Paulo H. Carvalho / Agência Brasília
  • Charles Cosac retoma a paixão de publicar livros
    Charles Cosac retoma a paixão de publicar livros Foto: Paulo H. Carvalho / Ag?ncia Bras
postado em 13/05/2025 04:01
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