
José Humberto Fagundes
Especial para o Correio
Havana — "A harmônica é um instrumento celestial. O som que produz toca as fibras mais profundas do coração. Nas inúmeras vezes que tenho escutado a harmônica na música brasileira, fico com a impressão de que o instrumento nasceu lá no Brasil. Como um todo, a música brasileira é minha grande favorita e não minto se digo que desfruto tanto dela quanto da música cubana". A definição é do maestro cubano Joaquin Betancourt, um dos ícones da cultura cubana, ao comentar a participação do gaitista brasiliense Pablo Fagundes na 40ª edição do Festival Internacional Havana Jazz Plaza.
Vivenciar o clima de festival em Santiago, a segunda maior cidade da ilha, com 507 mil habitantes, tornou-se um ganho inesperado pela oportunidade da interação com a espontaneidade musical cubana. A participação do gaitista brasiliense nas “canjas” reincidentes nas praças e esquinas foi uma verdadeira celebração da linguagem universal da música, tanto em Santiago quanto depois em Havana.
“Este povo tem o suingue musical no sangue. É um privilégio esta imersão em um ambiente de indescritível musicalidade,” resume Pablo. A experiência também alimenta grande apelo familiar para ele, cuja mãe é cubana.
Como parte do festival, a primeira apresentação em Santiago aconteceu no tradicional (e lotado) Iris Jazz Pub. Pablo Fagundes e o pianista francês Marco Poingt, parceiros constantes nos últimos anos, desfilaram o repertório do CD Harmonia, gravado por eles em Brasília, em agosto de 2024. O público se emocionou e ovacionou clássicos como O que será (Chico Buarque), Feira de Mangaio (Sivuca/Gadelha), La vie en rose (Piaf/Louiguy).
Emoção não menos intensa estava reservada para a Sala de Conciertos Dolores. Construída originalmente como igreja em 1722, (Nuestra Señora de los Dolores) depois do incêndio de 1970, foi restaurada e tornou-se o mais importante local de eventos culturais em Santiago. Em um destes momentos memoráveis, com sua acústica incomum, a sala recebeu a Orquestra Sinfônica de Holguin e o duo Pablo Fagundes/Marco Poingt. Sob a regência do pianista e maestro Oreste Saavedra, a Orquestra interpretou Flauta pifada, composição do gaitista e solista.
O maestro Saavedra expressa o tom da audição. “Foi um desafio a execução de Flauta pifada. A música é complexa, pelos temas, pelos ritmos que têm, as diferentes texturas e a riqueza. Os tempos nos quais é tocada são de um virtuosismo extraordinário. A música brasileira tem uma aceitação maravilhosa em Cuba e há muitos pontos de conexão. Ritmicamente, somos diferentes. Mas há muitíssimos pontos em comum. Talvez pela frescura, pela sonoridade, pela influência do tropicalismo musical e também pela herança africana extraordinária, presente tanto no Brasil quanto em Cuba. Executar Flauta pifada foi uma das melhores coisas que aconteceram em nosso concerto.”
Saavedra considera Pablo uma das grandes surpresas do festival, um instrumentista de grande versatilidade, de maestria singular. “Tivemos pouco tempo de ensaio com a Orquestra. Na realidade, apenas três horas. Acompanhá-lo e perceber o alto nível, o rigor e a seriedade absolutos em sua abordagem musical foi um privilégio. Um presente extraordinário.”
Concluídas as apresentações em Santiago, chegou a hora de botar o pé na estrada para a viagem de volta a Havana. Na capital cubana, o primeiro compromisso aconteceu na mais importante casa de espetáculos da cidade, o Gran Teatro de La Habana Alícia Alonso. Construído em 1838, foi renomeado em 1965 em homenagem à consagrada bailarina cubana. A apresentação na Sala Federico Garcia Lorca, a principal do complexo cultural com capacidade para 1.500 espectadores, consistiu em uma participação especial no show do pianista e compositor cubano Harold López-Nussa. Pablo tocou com ele a composição Mal du pays (Harold Nussa/Michael League), na qual ficou evidente a cumplicidade musical desencadeada entre os dois. Nussa acompanhou a diva cubana Omara Portuondo mundo afora e venceu o concurso de piano solo no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça.
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Harmonia
O último compromisso do festival teve lugar na Fábrica de Arte Cubano, espaço cultural notável que combina arte, música, dança, teatro, cinema, gastronomia em um ambiente industrial de uma antiga fábrica de óleo. Nesse cenário, o duo Pablo Fagundes/Marco Poingt fez o segundo lançamento em Cuba do CD Harmonia. Além das músicas do álbum apresentadas em Santiago, o repertório trouxe Beatriz (Chico Buarque/Edu Lobo), Ne me quitte pas (Jacques Brel), Flauta pifada (Pablo Fagundes), Rildo no Baião (Pablo Fagundes) e outras seis composições.
"Aprendemos e ganhamos todos com a participação de Pablo Fagundes no Festival Havana Jazz", destaca o maestro Joaquin Betancourt. “As músicas cubana e brasileira são irmãs, nascidas das mesmas raízes. Os pontos em comum são muitos e tantos nos extremos que não se sabe onde começam a parte brasileira ou a cubana”, acrescenta.
O gaitista brasiliense participou da 40ª edição do Festival Internacional Havana Jazz Plaza graças ao apoio do Programa Conexão Cultura, da Secretaria de Cultura do Distrito Federal.