Visão do Direito

A exclusão da mulher do mercado de trabalho como elemento de dependência e perpetuação do ciclo de violência 

"Não há dúvidas de que a igualdade real da participação da mulher no mercado de trabalho é meio necessário para que possa exercer a sua própria cidadania, por meio de empoderamento e inclusão socioeconômica"

Divulgação  -  (crédito: Roberta Ferme Sivolella, juíza do Trabalho. Doutora em direito processual e pós doutora em direito público pela UERJ. Juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça. Membro do FONAVIM e do Comitê Executivo da Ouvidoria Nacional da Mulher)
Divulgação - (crédito: Roberta Ferme Sivolella, juíza do Trabalho. Doutora em direito processual e pós doutora em direito público pela UERJ. Juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça. Membro do FONAVIM e do Comitê Executivo da Ouvidoria Nacional da Mulher)

Por Roberta Ferme Sivolella* — O recém terminado mês de março contempla, segundo o calendário da ONU, o Dia Internacional da Mulher, o Dia contra a Discriminação Racial e o Dia em Memória das Vítimas da Escravatura. A concomitância de datas fala muito sobre sobreposição, interseccionalidades e vulnerabilidades, característica marcante na violência de gênero. Diversos estudos vêm demonstrando como a violência contra a mulher traz impactos ao mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, confirmam que a desigualdade de gênero no mundo do trabalho fomenta essa mesma violência.

Não há dúvidas de que a igualdade real da participação da mulher no mercado de trabalho é meio necessário para que possa exercer a sua própria cidadania, por meio de empoderamento e inclusão socioeconômica. Em decorrência, a mulher a a ter maior independência e maior o às ferramentas de combate e proteção à violência.

Por outro lado, é inegável o efeito prejudicial que a violência contra a mulher gera ao mercado produtivo e ao cotidiano das mulheres de que dela são vítimas.

Especificamente no caso da violência doméstica, pesquisas dividem o impacto causado no mercado de trabalho entre os efeitos produzidos nos padrões de mercado (participação, horas trabalhadas e salários), e aqueles produzidos na habilidade e produtividade da vítima no emprego.

Em curto prazo, a violência doméstica afetaria, principalmente, o segundo rol de efeitos, por meio de episódio de absenteísmo, atrasos no trabalho, redução momentânea de produtividade e de capacidade laborativa e perda de emprego, em ciclo vicioso que reforça a exclusão estrutural já existente.

Efeitos na saúde mental, produtividade e capacidade laborativa decorrentes da violência sofrida evidenciam os efeitos perniciosos à saúde mental da mulher e prejuízos ao exercício de sua função laboral.

Há, ainda, impactos na satisfação com o emprego, o que possui aparente ligação com a falta de autonomia dessas vítimas em respeito à sua renda pessoal, já que, não raro, há o controle ou o ree dos rendimentos para seus respectivos agressores. A violência patrimonial é uma realidade, incluindo a restrição ao o ao mercado de trabalho por desejo do parceiro.

Importante notar que, muito embora os dados estatísticos oficiais indiquem crescimento da taxa de participação feminina de 34,8% em 1990 para 52,2% em 2023, ainda há graves desigualdades estruturais no mercado de trabalho por questões de gênero. O trabalho de cuidado, não remunerado, é realizado no Brasil majoritariamente pelas mulheres, em média de horas superior ao dobro daquelas realizadas pelos homens.

A discrepância na jornada exercida por homens e mulheres agrava, ainda, a desigualdade salarial existente. Segundo o do Relatório de Transparência Salarial divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego divulgado em 2024, as mulheres possuem remuneração salarial média em percentual menor de 19,4% em relação aos homens no Brasil, sendo a diferença de 25,2%, em cargos de dirigentes e gerentes. Ao serem acrescidos recortes interseccionais, a situação se agrava.

Considerando o fator racial, as mulheres negras representam 16,9% do número total de vínculos e recebem salários correspondentes a 68% da média geral. Ao se considerar o valor recebido pelos homens não negros (que recebem 27,9% acima da média), esse percentual aumenta. No caso das mulheres indígenas, o percentual de participação no mercado de trabalho chega a 0,1%, sendo ainda menor em cargos de liderança.

Desigualdades são combatidas com políticas sérias de inclusão. A igualdade faz parte do chamado tripé democrático que compõe o arcabouço da dignidade da pessoa humana, junto com a liberdade. Dependência gera desigualdade.

A desigualdade, por sua vez, gera estado de desconformidade, como verdadeiro problema estrutural. A desconformidade gera violência. A dependência alimenta esse ciclo perverso, funcionando como poderosa amálgama que liga as correntes da escravidão moderna do patriarcado disfarçado de pequenas concessões.

O mero oferecimento de vagas de emprego a mulheres (mecanismo de entrada) sem a coexistência de medidas que viabilizem a sua permanência, ascensão na carreira e independência econômica (mecanismos de manutenção), torna-se remédio placebo no universo da grave enfermidade estrutural da desigualdade de gênero.

Não há como quebrar as correntes da opressão com pequenos ajustes. O martelo poderoso da inclusão socioeconômica das mulheres é ferramenta essencial para tal função e deve estar presente em todas as políticas públicas voltadas à eliminação de todas as formas de violência de gênero.

No strings attached, pela liberdade e inclusão das mulheres.

Juíza do Trabalho. Doutora em direito processual e pós doutora em direito público pela UERJ. Juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça. Membro do FONAVIM e do Comitê Executivo da Ouvidoria Nacional da Mulher*

 

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Por Opinião
postado em 03/04/2025 03:30
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