Constituição

Mexicanos vão às urnas para histórica eleição direta para juízes

Congresso do México aprovou no ano ado a reforma na Constituição que instituiu o novo modelo de escolha dos magistrados de todas as instâncias

DJU-2605-DJ_JUIZES -  (crédito: Maurenilson Freire)
DJU-2605-DJ_JUIZES - (crédito: Maurenilson Freire)

Em primeiro de junho, os mexicanos vão às urnas para a histórica e polêmica eleição popular direta para juízes do país, inclusive os da Suprema Corte — Suprema Corte de Justicia de la Nación. Numa medida única no mundo, o Congresso do México aprovou no ano ado a reforma na Constituição que instituiu o novo modelo de escolha dos magistrados de todas as instâncias.

A fórmula mais próxima é a adotada na Bolivia, onde os ministros da Suprema Corte também são eleitos, mas os juízes das demais instâncias são escolhidos por um Conselho de Justiça.

No México, os atuais juízes — cerca de 1,6 mil — podem concorrer nas eleições deste ano e na de 2027, quando se encerra a renovação em outro pleito. Se não forem escolhidos em votação popular, os atuais juízes terão de renunciar e serão substituídos pelos vitoriosos nas urnas.

Neste pleito, milhares de candidatos disputam 881 vagas em cargos federais, e 1.749 vagas locais, que representam metade da estrutura da Justiça mexicana. A Suprema Corte será totalmente renovada, ando de 11 para nove ministros.

As mudanças foram propostas no ano ado pelo então presidente Andrés Manuel López Obrador depois de conflitos com a Suprema Corte do México que barrou medidas do governo. Os magistrados impediram reformas que ampliavam a participação do Estado no setor energético e colocavam a segurança pública sob controle dos militares.

Com maioria governista na Câmara e no Senado, López Obrador emplacou as novas regras no Judiciário, medidas que têm o apoio da atual presidente, Claudia Sheinbaum.

Antes da reforma, a nomeação de ministros da Suprema Corte do México era semelhante ao processo de escolha do Brasil. Os juízes eram indicados pelo presidente e submetidos ao crivo do Senado.

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Na eleição de primeiro de junho, a população vai votar nos candidatos que se apresentarem para concorrer ao cargo de juiz. No caso de ministros do Supremo e do Tribunal Eleitoral, cada um dos poderes (Executivo, Legislativo e o próprio Supremo) vai apresentar uma lista com seus candidatos.

Desde 30 de março, a campanha nacional esquenta os debates e muitos se apresentam aos moldes de candidatos a vereadores. Os eleitores vão escolher seus preferidos em uma lista.

Os candidatos devem obedecer a requisitos: serem advogados credenciados, terem experiência profissional de pelo menos cinco anos e referências de no mínimo cinco pessoas. Também não podem ter antecedentes criminais.

Ao propor a reforma constitucional, López Obrador apontou os seguintes objetivos: democratizar o Judiciário, combater um sistema elitista e corrupto, que atua em defesa de interesses econômicos em vez de beneficiar o povo e ampliar a participação popular.

Entre os críticos, os principais argumentos contrários são que ao eleger juízes por voto popular, cargos técnicos podem ser transformados em posições políticas, influenciadas por partidos e interesses econômicos. Também se aponta que candidatos podem prometer decisões que agradem o eleitorado, em vez de respeitar a Constituição. Haveria ainda risco à independência judicial, que é um dos pilares de qualquer Estado de Direito.

Qual a sua opinião sobre a reforma do Judiciário do México?

Compreensão das causas dos vulneráveis

O governo do presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) teve um evidente êxito em diminuir a pobreza, a desigualdade, melhorar a distribuição de renda, a diversidade, a participação das camadas populares e originárias, aumentar enormemente a participação das mulheres nos espaços públicos nos três poderes, e estabelecer a paridade de gênero no Judiciário. Ele conquistou a confiança necessária para reformar a Constituição com aprovação de mais de dois terços da Câmara, do Senado e dos estados federados para promover a reforma judicial inédita no mundo. Ademais, pela primeira vez em sua história, o México tem uma presidenta eleita, Claudia Sheinbaum, a candidata do Morena, partido de AMLO, que segue firme na efetivação das eleições judiciais de forma pacífica e democrática.

Com as eleições, o Judiciário ará a ter paridade de gênero e a Suprema Corte ará a ter uma maioria permanente de cinco ministras do total de nove, em mandatos de 12 anos. Correção de desigualdade histórica. Também, deverá aumentar a diversidade, por exemplo, com a provável escolha do notável professor e advogado Antonio Sorela Castillo, 39 anos, o segundo de origem indígena (o único anterior foi o legendário Benito Juárez, no século XIX, que veio a ser presidente nacional). Será uma Corte que, certamente, terá mais vivência, sensibilidade e compreensão para com as causas das camadas populares e vulneráveis.

Roberto Caldas, advogado, ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Quem dá respaldo ao juiz é a Constituição

O modelo do México é extremamente negativo. Não há paralelo em democracias sérias, constituídas e respeitadas. A doutrina constitucional majoritária não embarca nessa pseudonecessidade de juiz ter respaldo popular. Quem precisa ter respaldo popular é o Legislativo e o Executivo. A Justiça foi concebida dentro da teoria do direito que nasceu logo em seguida ao iluminismo. E aí a gente tem que se referir à Constituição dos Estados Unidos, que é o primeiro documento constitucional escrito no mundo, que incorpora a teoria de Montesquieu de separação de poderes. Não é o voto que vai respaldar o juiz. O que respalda o juiz é a Constituição. As constituições, espera-se no mundo democrático, são elaboradas por representantes eleitos. Esse experimento mexicano é uma forma muito opaca de ver o direito e de ver a separação de poderes. Imagine juiz fazendo campanha eleitoral. Mesmo que seja um grande jurista, recebendo apoio financeiro, seja lá de quem for. O exemplo do México é ruim porque pode servir como instrumento de manipulação por regimes semiautoritários, aqueles em que não precisa haver golpe de Estado para se rasgar a Constituição. Os autoritários vão solapando a Constituição aos poucos. Eleição para juízes é um caso que pode muito bem ser adotado por esses regimes, porque com a eleição seria mais fácil eleger figuras populistas para desvirtuar o texto constitucional.

João Carlos Souto, professor de direito constitucional, procurador da Fazenda Nacional, diretor da Escola da AGU

 


  • Ex-juiz presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas reforça apoio às instituições democráticas
    Ex-juiz presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas reforça apoio às instituições democráticas Foto: Iano Andrade
  • O professor de direito Constitucional e autor do livro
    O professor de direito Constitucional e autor do livro "Suprema Corte dos Estados Unidos", João Carlos Souto, durante entrevista para o C.B.Poder nesta segunda-feira (22/07) Foto: Ed Alves/cb/D.A Press
  • João Carlos Souto O professor de direito Constitucional
    João Carlos Souto O professor de direito Constitucional Foto: Ed Alves/cb/D.A Press
  • Ex-juiz presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas reforça apoio às instituições democráticas
    Ex-juiz presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas reforça apoio às instituições democráticas Foto: Iano Andrade
postado em 22/05/2025 03:36
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