Visão do Direito

Regime fiscal do Perse não se confunde com mero benefício fiscal

"É fundamental compreender que o Perse não constitui um simples benefício fiscal. Trata-se, na prática, de um regime instituído com prazo e condições determinados"

 Gustavo de Carvalho, coordenador da área de direito tributário do Fragata e Antunes Advogados e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-Niterói (RJ) -  (crédito:   Divulgação )
Gustavo de Carvalho, coordenador da área de direito tributário do Fragata e Antunes Advogados e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-Niterói (RJ) - (crédito: Divulgação )

Por Gustavo de Carvalho* — Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afetar os Recursos Especiais nº 2.126.428, 2.126.436, 2.130.054, 2.138.576, 2.144.064 e 2.144.088, que tratam da inclusão das empresas do setor de eventos no Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado pela Lei nº 14.148/2021, ao rito dos recursos repetitivos, previsto nos arts. 1.036 e 1.037 do Código de Processo Civil e nos arts. 256 a 256-X do Regimento Interno do STJ.

As controvérsias que se pretendem dirimir neste julgamento relacionam-se à necessidade — ou não — de o contribuinte estar previamente inscrito no Cadastur, bem como à possibilidade de o contribuinte optante pelo regime do Simples Nacional beneficiar-se da alíquota zero relativa ao PIS/Cofins, à CSLL e ao IRPJ, prevista no Perse.

O julgamento teve início em 9 de abril e já registrou movimentações significativas. Primeiramente, com o voto da ministra relatora, desfavorável às empresas, seguido do pedido de vista do ministro Gurgel de Faria. Essa pausa no julgamento evidencia a complexidade e a relevância do tema, que de fato merece uma análise cuidadosa.

É fundamental compreender que o Perse não constitui um simples benefício fiscal. Trata-se, na prática, de um regime instituído com prazo e condições determinados, o que o diferencia de incentivos fiscais permanentes e indiscriminados. Seu propósito é específico e peculiar: apoiar a recuperação de um segmento da economia severamente afetado pela pandemia da covid-19. A área de eventos, que abrange desde pequenos estabelecimentos até grandes redes empresariais, é um pilar importante da economia, gerando empregos e movimentando diversas cadeias produtivas.

O tratamento diferenciado concedido pelo legislador federal ao Perse justifica-se, sobretudo, pela sua função social e econômica. Apoiar esse segmento não é apenas uma questão de justiça, mas uma estratégia inteligente de recuperação econômica em um cenário de crise pós-pandemia.

Permitir a adesão ao Perse a todas as empresas do setor de eventos é crucial para garantir que o segmento possa retomar sua contribuição à economia nacional.

Por outro lado, afastar a exigência de inscrição no Cadastur como pré-condição para adesão ao Perse assegura a observância do princípio da legalidade, uma vez que a Portaria nº 7.163 — que institui tal exigência — extrapola o poder regulamentar. Também protege o princípio da isonomia, já que a exigência restringe o benefício a contribuintes que estão em idêntica situação jurídica em relação a outros.

Com base nesses princípios, espera-se que o STJ também se manifeste pela inaplicabilidade do impedimento de adesão ao programa às empresas optantes pelo regime do Simples Nacional. Primeiro, porque tal impedimento decorre de norma infralegal; segundo, porque essas empresas perderam competitividade frente às demais que exercem a mesma atividade e puderam aderir ao Perse.

Prevendo essa distorção e buscando garantir a competitividade e a sobrevivência das empresas do Simples, o legislador federal que criou a Lei do Perse expressamente registrou que o benefício também se aplicaria a essas empresas, conforme previsto no artigo 2º, §1º, IV, da Lei nº 14.148/2021. O dispositivo faz referência à "prestação de serviços turísticos na forma do artigo 21 da Lei nº 11.771/2008", o qual considera como prestadores de serviços turísticos "as sociedades empresárias, as sociedades simples, os empresários individuais, os microempreendedores individuais e as sociedades limitadas unipessoais".

Lembre-se ainda de que o regime do Simples Nacional foi criado para garantir tratamento diferenciado e favorecido às empresas optantes, que merecem, portanto, condições especiais em relação às demais empresas — o que deixou de ocorrer com sua exclusão do regime do Perse.

Em suma, o Perse deve ser entendido como uma ferramenta vital para a recuperação econômica, e não como um mero benefício fiscal. Sua continuidade é essencial para que o setor de eventos possa se reerguer e voltar a desempenhar seu papel relevante na economia do país. É fundamental que os ministros do STJ considerem, além dos sólidos fundamentos legais que asseguram o direito dos contribuintes ao programa, o impacto social e econômico que sua decisão poderá provocar.

Daí a grande expectativa com que amplas parcelas da sociedade civil aguardam a futura decisão do STJ, na esperança de que ela reflita a importância desse regime para a sociedade e para a economia brasileira.

Coordenador da área de direito tributário do Fragata e Antunes Advogados e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-Niterói (RJ)*

Tags

Por Opinião
postado em 15/05/2025 04:30
x