Entrevista

"Bebê reborn não exige afetividade real", explica psicóloga perinatal do Hmib

Ao CB.Saúde, Alessandra Arrais, psicóloga perinatal do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), comentou que os bebês realistas podem ter funções específicas, como no tratamento do Alzheimer e no processo de recuperação de um luto

 15/05/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Alessandra Arrais, psicóloga perinatal do Hmib, é a entrevistada do CB.Saúde -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
15/05/2025 Crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF - Alessandra Arrais, psicóloga perinatal do Hmib, é a entrevistada do CB.Saúde - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A onda dos bebês reborn, bonecas que reproduzem com perfeição os traços de recém-nascidos reais, foi um dos temas do CB.Saúde — parceria do Correio com a TV Brasília. Às jornalistas Carmen Souza e Paloma Oliveto, a psicóloga perinatal do Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) Alessandra Arrais comentou também sobre o Maio Furta-Cor, campanha que visa sensibilizar a população para a causa da saúde mental materna.

Como podemos avaliar esse fenômeno reborn?

Embora seja um tema atual, os bonecos reborn existem desde a década de 1990. O que vemos agora é um novo boom, que se conecta ao avanço da inteligência artificial e à forma como as pessoas se relacionam com ela. O reborn não exige envolvimento afetivo real: você não precisa negociar, educar ou lidar com frustrações. É mais fácil do que cuidar de um bebê de verdade. Muitas pessoas hoje evitam o esforço de construir vínculos, lidar com conflitos e persistir nas relações. Nesse contexto, o reborn se encaixa perfeitamente. Ele deixou de ser apenas um objeto de colecionadores e ou a representar um tipo de investimento emocional de via única, sem retorno ou exigência. Arrisco dizer que, para quem não está disposto a enfrentar as responsabilidades da maternidade, talvez seja mesmo melhor ficar com o reborn. É preferível a ter um filho e não conseguir cuidar dele.

Existe o lado terapêutico?

Sim, o reborn pode ter uma função terapêutica em situações específicas. Eles são usados, por exemplo, no tratamento de pessoas com Alzheimer e no processo de luto perinatal. Algumas mulheres têm dificuldade de expressar sentimentos, e o boneco pode ajudar nesse processo como um objeto transicional, que auxilia na simbolização da perda. O problema começa quando o reborn ocupa o lugar do bebê real. Ele a a ter uma função reparadora e, em alguns casos, a pessoa perde a noção da realidade, tratando o boneco como se fosse o próprio filho — muitas vezes, um filho cuja perda nem foi reconhecida. Isso pode ser um tipo de delírio e precisa ser acompanhado profissionalmente, dentro de um contexto terapêutico. Não se trata simplesmente de dar um boneco para alguém que perdeu um bebê. O reborn pode ser um facilitador, desde que usado como instrumento terapêutico. Ter um boneco reborn não é, necessariamente, sinal de adoecimento psíquico. É importante olhar para cada caso com acolhimento, não com julgamento. Cada pessoa tem sua história e suas necessidades.

E a campanha Maio Furta-Cor traz esse olhar...

É uma campanha nacional de sensibilização. Saúde mental materna importa. A gente quer mostrar à população que a maternidade não tem uma cor só. Ela tem vários tons que oscilam, e isso é normal. Você vai ter um dia roxo, um dia amarelo, um dia rosa. Tem dia que a gente está animada, iluminada. Tem dia que estamos cansadas, tristes. Esses tons se misturam, como acontece com qualquer pessoa. Não é porque virei mãe que tudo vai ser de uma cor só.

Agora, existem tons de alerta. A estimativa é que 25% das mulheres tenham depressão pós-parto. E quando é que essa cor precisa de mais atenção?

Quando ela deixa de oscilar. Se, por pelo menos 15 dias, a mulher permanece em um estado só mais cinza, mais marrom, sem variações  isso acende um sinal de alerta. E isso vale tanto para o pós-parto quanto para a gestação. Quinze dias é um tempo médio para suspeitar, para pensar na possibilidade de depressão pós-parto, depressão gestacional ou ansiedade. Não são só as emoções negativas que indicam algo errado. Se a puérpera, no terceiro dia após o parto, está limpando a casa toda, não para, não dorme, compra tudo... isso também não é normal. Pode ser um estado de euforia exagerado, que também precisa de atenção.

Qual a importância dos cuidados do dia a dia no pós-gestação?

A nossa população precisa se educar mais e cuidar da qualidade da rede de apoio. A rede de apoio é um fator de proteção fortíssimo. O apoio do companheiro ou da companheira também. Esses são os principais fatores de proteção contra o adoecimento psíquico no pós-parto. Mas não é qualquer rede de apoio. Muitas vezes, no Brasil, ela é invasiva. As pessoas visitam o bebê na maternidade, esperam ser servidas e esquecem que a mãe também precisa de cuidado. Às vezes, até a própria família age assim.  Pergunte: "Você quer que eu te ajude?". 

*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti

 


postado em 16/05/2025 02:01
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