AÇÕES PREVENTIVAS

Após ataques no DF, escolas e famílias se unem contra violência no ambiente escolar

Casos recentes em instituições de ensino reforçam a importância de ações conjuntas do poder público e da sociedade. Secretaria de Educação destaca projetos de prevenção dentro desses espaços, como o NaMoral, em parceria com o MP

Nos últimos 35 dias, ocorreram dois esfaqueamentos, duas brigas que resultaram em alunos feridos e quatro denúncias de violência contra estudantes das instituições. Também no início do ano, um professor foi espancado por alunos após o fim da aula, em Planaltina -  (crédito: kleber)
Nos últimos 35 dias, ocorreram dois esfaqueamentos, duas brigas que resultaram em alunos feridos e quatro denúncias de violência contra estudantes das instituições. Também no início do ano, um professor foi espancado por alunos após o fim da aula, em Planaltina - (crédito: kleber)

Em pouco mais de um mês, a rede pública de educação do Distrito Federal foi palco de conflitos graves dentro e nas proximidades das escolas. Nos últimos 35 dias, ocorreram dois esfaqueamentos, duas brigas que resultaram em alunos feridos e quatro denúncias de violência contra estudantes das instituições. Especialistas alertam para os casos de bullying e para a necessidade de preparo da comunidade escolar. Segundo a Secretaria de Educação (SEEDF), todas as ocorrências estão sendo acompanhadas de perto e a pasta tem se dedicado a ações de prevenção contra a violência nas escolas.   

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Ao Correio, a secretária de Educação do DF, Hévia Paranaguá, destaca a necessidade de unir forças entre as escolas e as famílias para enfrentar e superar os episódios de violência, dentro e fora do ambiente escolar. "Essa é uma responsabilidade de todos nós. A Secretaria de Educação atua de forma colaborativa com outros órgãos, como a Polícia Militar, por meio do Batalhão Escolar, fortalecendo a rede de proteção e cuidado com nossos estudantes", afirma.

No último dia 28, um vídeo registrou uma confusão envolvendo estudantes do Centro de Ensino Médio Asa Branca (Cemab), em Taguatinga. O confronto, que começou entre duas alunas dentro da escola, se estendeu para fora da unidade, abrangendo jovens de outras escolas que trocaram chutes e puxões de cabelo na saída do turno vespertino. A Polícia Militar (PMDF) informou que o grupo se dispersou rapidamente com a chegada da viatura do Batalhão Escolar (BPEsc). Não foi possível identificar os autores e não houve registro de feridos, segundo a corporação. As alunas foram suspensas temporariamente

Bullying

Em 8 de abril, um adolescente de 15 anos foi esfaqueado nas costas por um colega de 14, dentro do Colégio Cívico-Militar CED 02 de Brazlândia. Investigações da Delegacia da Criança e do Adolescente II (DCA II) apontaram que o jovem responsável pelo golpe agiu em legítima defesa. O delegado Paulo Martinelli, responsável pelo caso, detalha que o estudante de 14 anos vinha sendo ameaçado e intimidado pelo colega em episódios anteriores.

À reportagem, a comandante do Batalhão de Policiamento Escolar, major Daniella Sellani, informa que o batalhão atua nas escolas do DF por meio de policiamento ostensivo, organizado por Roteiros de Policiamento Ostensivo Escolar e que age preventivamente com o Programa de Prevenção às Drogas e à Violência (Proerd), palestras educativas com temas diversos, especialmente sobre prevenção ao bullying, cyberbullying.

"Atualmente encontra-se em fase de implantação o Programa Guardião Escolar, que visa trazer a segurança aos ambientes escolares por meio da prevenção do crime, com o design do ambiente (conjunto de estratégias que visa criar espaços mais seguros), doutrina preventiva já usada em outros países", afirma a comandante. 

No primeiro trimestre de 2025, o batalhão apreendeu 11 objetos de uso proibido no ambiente escolar. Quanto à prevenção, a corporação orienta que os alunos evitem levar celulares para as escolas e estejam atentos aos seus arredores durante o trajeto. Às famílias, a PM recomenda que tenham participação ativa na vida escolar de seus filhos, observandoas mochila de seus filhos, o que levam e o que, porventura, eles trazem da escola.

Priscila Ilha, neuropsicopedagoga, especialista em transtornos de aprendizagem, aponta que os casos de violência em escolas públicas do DF podem estar relacionados a fatores como bullying e falta de treinamento para os profissionais dessas instituições. "Não se pode permitir que isso escale e leve à insegurança, tanto do aluno como de outros estudantes da sala, além de professores, gestores, colaboradores. É importante investigar por que esses comportamentos têm ocorrido", argumenta Priscila.

Denúncias

"Quando cheguei à porta da sala, os colegas da minha filha estavam em círculo, observando a professora que pegava minha menina pelo braço e gritava. Paralisei. Ela levantou para trás do ombro a garrafa de água da minha filha, ameaçando atingi-la. Minha única reação foi gritar por socorro". O relato é de Luenda Bitencourt, 28 anos, moradora da Ceilândia, que retornou à escola porque esqueceu o celular na mochila da filha e flagrou a agressão contra a menina de 6 anos, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA), nível 2. 

O flagrante resultou em várias reclamações à direção da escola. À Luenda, a unidade de ensino pediu paciência, afirmando que era necessário ter "pulso firme" com a criança, devido a um comportamento agressivo. O episódio foi denunciado por meio de boletim de ocorrência digital e relatado ao Conselho Tutelar, que, segundo a mãe, vai ouvir as partes envolvidas. 

Em abril, houve mais três denúncias de violência contra alunos. No caso mais recente, uma mãe registrou um boletim de ocorrência ao notar hematomas no pescoço da filha, de 4 anos, após buscar a criança no Centro de Educação Infantil (CEI) Parque do Riacho, no Riacho Fundo II. Conforme relatou a menina, a professora teria puxado a pele de seu pescoço. A profissional foi desligada e devolvida ao banco de contratos temporários, como medida preventiva. A 29ª Delegacia de Polícia investiga o caso.  

A SEEDF reforça que repudia qualquer forma de violência nas escolas da rede pública de ensino e preza pela construção de um ambiente escolar seguro, ético e acolhedor para todos os estudantes. "Temos avançado com políticas públicas voltadas à promoção da cultura de paz e da integridade, como o programa NaMoral, além de outras práticas exitosas implementadas nas escolas", acrescenta Hélvia Paranaguá. 

A secretária, que lamenta as ocorrências e destaca que todos os casos serão apurados com seriedade, assegura que as escolas, enquanto espaços de cuidado, têm profissionais, tanto da rede pública quanto das creches parceiras, preparados para atuar com responsabilidade e atenção. "Acredito que só com união e diálogo é possível construir ambientes mais seguros e acolhedores", finaliza.

A prevenção da violência escolar requer um esforço conjunto entre instituição, família e poder público, conforme defende Sandra Mara Ferrari, que é pedagoga e assessora pedagógica do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília. "É essencial a implementação de políticas eficazes de prevenção nas escolas tanto públicas quanto privadas, oferecendo e e formação para professores e funcionários. Do lado das famílias, é necessário estabelecer regras claras, acompanhar a rotina escolar dos filhos e apoiar as decisões pedagógicas da escola, em vez de questioná-las sem diálogo. Também é urgente promover uma cultura de paz que não se restrinja a cartazes, mas com atitudes diárias baseadas em empatia, respeito e diálogo", explica.

Memória

  • 25/4: no Núcleo Bandeirante, um educador social voluntário do Centro de Ensino Médio Júlia Kubitschek (CEM JK) foi gravado ameaçando um aluno ao afirmar que “iria cortar o pescoço” do estudante após um desentendimento. A equipe gestora da escola desligou o monitor e acionou os responsáveis pelo adolescente envolvido. 
  • 23/4: a mãe de um menino de 9 anos, com atrofia cerebral, autismo e baixa visão, denunciou que a professora puxou o filho pela gola da camiseta, deixando-o com um arranhão no braço. A mãe relatou que a profissional teria confirmado o ato, afirmando: “Eu só pego meus alunos assim, pela blusa”. A situação ocorreu no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV), na Asa Sul.
  • 10/4: um estudante do Centro de Ensino Médio (CEM) Setor Leste (CEMS Leste) foi agredido por alunos do Centro de Educação de Jovens e Adultos da Asa Sul (Cesas), que portavam paus e facas. A violência ocorreu em via pública, logo após o término das aulas. Apesar de ferido, o estudante do CEM Setor Leste não precisou ser levado ao hospital.
  • 31/3: um aluno, 16, ficou ferido após uma briga dentro da unidade escolar. Informações da PM dão conta de que a vítima foi segurada, enquanto outro estudante desferiu-lhe quatro golpes de canivete. O caso ocorreu em uma escola no Setor Leste do Gama.
  • 18/2: um professor com deficiência visual foi espancado por três alunos na parada de ônibus próxima ao CED Vale do Amanhecer apóa a aula. Os estudantes do ensino médio teriam se incomodado com o fato de a direção exigir que eles guardassem os celulares durante a aula. 

Possíveis soluções

Por Catarina de Almeida Santos* 

Uma escola é feita e depende de diferentes atores, como a rede em que está inserida, as condições de funcionamento, o corpo técnico-istrativo, a gestão, os docentes, os estudantes e seus familiares e a comunidade onde está inserida. Se cada ator desenvolver bem o seu papel, certamente teremos menos problemas, mas, no fundo, a escola está sendo cada vez mais demandada por tarefas que não tem condições de resolver — algumas, nem são sua responsabilidade. Observo que, à medida que se cobra mais a instituição, menos apoio ela tem para nesses momentos.

Pensando em possíveis soluções, pode-se trabalhar ações estruturais, como melhorar a infraestrutura do espaço e as condições de trabalho, incentivar o vínculo dos professores com a comunidade, avaliar o número de alunos por turma, entre outras questões. É importante entender quais violências tem se amplificado dentro das escolas e pensar projetos voltados especificamente a elas, de maneira, claro, associada àquela comunidade. O objetivo é fazer com que todos os atores envolvidos nesse espaço aprendam a lidar com as diferenças e a viver de forma mais coletiva e menos individualista. 

* pedagoga e professora da Faculdade de Educação da UnB. Possui especialização em gestão da escola pública e mestrado e doutorado em Educação. 

Programas

  • NaMoral: fruto de uma parceria com o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), o projeto visa construir espaços de debate sobre honestidade, integridade e ética. Entre as ações, há oficinas interativas, jogos, rodas de conversa e palestras com especialistas em ética e direitos humanos. Professores relatam melhora no ambiente escolar, com a redução de conflitos. 
  • Maria da Penha Vai à Escola (MPVE): iniciativa conjunta entre o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) e a SEEDF. Promove palestras sobre violência doméstica a estudantes e professores, além de cursos, com foco na prevenção, para os profissionais.
  • Trilha do Bullying: os estudantes assimilam, por meio de um jogo de tabuleiro, formas de gerar gentileza, explicam sobre o bullying psicológico, social, cyberbullying e aprendem como pedir desculpas. 
  • Construindo a Cultura de Paz: projeto leva histórias, arte e carinho para ajudar alunos dos anos iniciais do ensino fundamental a entenderem valores importantes como respeito e empatia, por meio de concursos de desenhos e redação e apresentações musicais.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

 

postado em 09/05/2025 05:00
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