
A violência de gênero foi tema do CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília —, após casos de feminicídio chocarem a cidade no fim de semana. A convidada do programa, a advogada Andréia Limeira Waihrich, especialista em violência doméstica e intrafamiliar e ex-presidente da Comissão de Violência Doméstica e Familiar da OAB-DF, alertou para a necessidade de políticas públicas mais eficazes. Em conversa com as jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos, a entrevistada comentou casos recentes e falou sobre o trágico ciclo que leva à morte de diversas mulheres.
Tivemos seis feminicídios no DF este ano. Onde estamos falhando na proteção das mulheres?
Aquele que comete o crime de feminicídio teve uma pena aumentada em relação a essa prática, mas nós não temos uma efetividade em relação a como as políticas públicas devem ser implementadas, além dessa punição. Hoje, temos muitas mulheres que não têm condições de ir a uma delegacia, nem apoio psicológico, financeiro ou jurídico para que busque os canais de atendimento para um melhor para uma melhor efetivação dessa segurança.
O aumento das penas não é totalmente eficaz para deter agressores?
O aumento da pena é um avanço dentro da nossa política institucional para combater a impunidade. Mas, antes disso, existe uma estrutura que deve ser muito bem preparada. A primeira infância, por exemplo, precisa ser estruturada para que ela (a vítima) não sofra violência, nem participe dessa violência e, sobretudo, crie mecanismos de denúncia. Infelizmente, hoje, no Brasil e, sobretudo no DF, temos uma escassez desses programas de educação. Da mesma forma, temos uma falta de programas locais, nos quais precisamos de acolhimento dessas mulheres para que elas se sintam empoderadas, dentro dessa relação de violência e denunciem. E, a partir da denúncia, o poder público possa dar a ela o mínimo de segurança possível, a fim de que ela não chegue ao fim do ciclo da violência, que é o feminicídio.
Recentemente, houve a absolvição do ex-jogador Daniel Alves. A Justiça da Espanha considerou insuficiência de provas. Decisões como essa não aumentam o receio de mulheres em denunciar agressões?
Isso é muito grave, porque temos esse resultado fora do Brasil, mas temos muito resultados no país, como no caso da Mariana Ferrer. Ela é vítima de uma violência grave, que pode trazer transtornos durante toda a vida, mas o Judiciário não teve esse olhar acolhedor para ela, enquanto vítima e, principalmente, não deu a ela a segurança da palavra, estabelecido por lei. Mariana é uma jovem influencer e alegou judicialmente que teria sido estuprada durante uma festa. Foi um caso do Rio Grande do Sul de muita repercussão, porque as partes estavam muito presentes na internet. O agressor era uma pessoa com muito poder aquisitivo e toda a defesa dele foi de desacreditar a palavra da vítima.
Como o ciclo da violência se inicia e evolui até o feminicídio, e como as vítimas podem identificar esses sinais?
A violência intrafamiliar começa com pequenos rituais, como o desmerecimento da vítima, situações nas quais ele (o agressor) desacredita a palavra dela e mina sua autoestima. Quando ele consegue colocar a mulher nessa situação de vulnerabilidade, começa com a aplicação da violência. Então há violência física, moral, psicológica, até por fim, feminicídio ou a tentativa de feminicídio. Todo esse contexto acontece num cenário em de isolamento da vítima, invisibilizada frente às redes de apoio.
Como esse padrão de violência se instala nas famílias, sendo repetido de forma quase instintiva pelos homens?
Quando fazemos o estudo da personalidade do agressor, trabalhamos com ele desde a infância. É muito comum que eles tenham famílias disfuncionais, onde o pai exercia um papel de muito poder sobre a mãe, e ele cresceu com esse entendimento de que a mulher era um objeto. A partir daí, ele reproduz essa violência.