
Tudo o que a Polícia Civil tinha era uma cabeça e pernas humanas encontradas na Estação de Tratamento de Esgoto da Companhia Ambiental de Saneamento do DF (Caesb), na Avenida das Nações. Não existiam pistas, testemunhas, câmeras, tampouco a identificação da vítima. Sabia-se apenas que tratava-se de uma mulher loira. Em dois meses, os policiais da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul) descobriram quem era a mulher, prenderam dois suspeitos — um continua foragido — e elucidaram a motivação de um crime brutal.
Thalita Berquó, 36 anos, foi assassinada a facadas e pedradas. Posteriormente, teve o corpo esquartejado depois de um possível desacordo sobre o pagamento de drogas. A complexidade e a gravidade do crime exigiram da polícia um trabalho árduo. Sem ocorrência de desaparecimento que pudesse fornecer alguma pista, os policiais deram início aos procedimentos para identificar a vítima.
A cabeça e as pernas de Thalita foram localizadas por um funcionário terceirizado da Caesb, em 14 e 15 de janeiro, respectivamente. O trabalhador era encarregado da limpeza diária do local e executava o serviço três vezes ao dia. Os membros estavam em um tanque onde são escoados resíduos de esgoto provenientes do Guará, do Núcleo Bandeirante, da área central de Brasília e de parte do Riacho Fundo. Até o leque de regiões trouxe dúvidas, inicialmente, sobre o local exato do crime.
A identificação da vítima só ocorreu quase um mês depois, em 13 de fevereiro, após a família registrar um boletim de ocorrência por desaparecimento. A demora no registro se deveu ao histórico de Thalita, que frequentemente se ausentava por dias, mas sempre retornava após algum tempo. Para chegar à identidade, foram feitos exames antropológicos, odontológicos e genéticos conduzidos pelo Instituto de Pesquisa de DNA Forense (IPDNA).
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A polícia concluiu que Thalita foi morta em 13 de janeiro, uma segunda-feira. No fim de semana anterior, em 11 e 12 de janeiro, ela esteve na companhia de amigos em festas. No dia 13, embarcou em um carro de transporte por aplicativo com destino à QE 46 do Guará 2, próximo ao Edifício Valentina, distante poucos metros do Parque Ecológico Ezechias Heringer, onde se encontraria com um colega. Essa foi a última informação do paradeiro de Thalita.
O delegado-chefe da 1ª DP, Antônio Dimitrov, explicou que foi necessário o uso de técnicas avançadas para traçar o caminho feito pela vítima. De acordo com o investigador, da QE 46 Thalita se dirigiu a um local próximo de invasão para comprar drogas nas mãos dos suspeitos. "Ela foi atraída até o parque e, lá, efetuou o pagamento da droga dando o celular em troca. Após isso, a vítima pediu o aparelho de volta e isso gerou um desentendimento entre ela e os autores", esclareceu.
O homem e os dois adolescentes desferiram golpes de faca contra Thalita e jogaram uma pedra contra o rosto dela. Depois, a esquartejaram. Um dos suspeitos confessou ter lançado a cabeça e as pernas no córrego próximo. No entanto, a informação é falsa, uma vez que o córrego não leva à Estação de Tratamento de Esgoto, frisou o delegado.
A polícia chegou à localização do corpo após o adolescente levar as equipes à cova, em 17 de março. O troco estava envolto em um cobertor que, segundo o menor, estava dentro de uma bolsa azul nas imediações do parque. Foi necessário o acionamento das equipes do Corpo de Bombeiros no trabalho de escavação, que durou mais de seis horas. Os braços da vítima não foram encontrados e os suspeitos não souberam responder sobre a localização desses membros.
Desfecho
Na noite desta quinta-feira, os policiais civis da 1ª DP montaram uma operação com o uso de helicóptero para capturar os adolescentes envolvidos. Um deles foi detido e o outro continuava foragido até o fechamento desta edição.
O homem de 36 anos envolvido no crime é João Paulo Teixeira da Silva, vulgo "JP". Ele é morador da área de invasão do Guará 2, próximo ao parque. Eventualmente, trabalhava como vigia de carros e dormia debaixo do Edifício Consei, na mesma região. O criminoso está detido no Complexo Penitenciário da Papuda desde o fim de janeiro, quando foi alvo de um mandado de prisão preventiva por uma tentativa de homicídio cometida em dezembro do ano ado. À época, a prisão foi efetuada pelos policiais da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), nove dias depois de ter matado Thalita.
O Correio apurou que a tentativa de homicídio de 2024 contou com a participação de um adolescente de 15 anos. Internada no hospital, a vítima contou à polícia que João Paulo e o comparsa a seguiram, mas foi "JP" que efetuou disparos de arma de fogo contra ela. Os tiros a atingiram no braço. As apurações da 4ª DP identificaram João Paulo como o autor do crime. A Justiça expediu o mandado, que foi cumprido no fim de janeiro, quando Thalita já tinha sido assassinada.
O delegado Antônio Dimitrov avaliou o caso. "Esse fato é de um nível de crueldade sem tamanho. É o espelho do descaso humano", pontuou. João Paulo responderá pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e corrupção de menores. O adolescente enfrentará acusações pelos mesmos crimes, em sua forma análoga. A polícia segue as investigações para localizar o segundo menor envolvido, fechar o inquérito e enviar à Justiça.
Linha do tempo
11 e 12 de janeiro: Thalita estava na companhia de amigos em festas.
13 de janeiro: a mulher embarca em um carro de transporte por aplicativo com destino à QE 46 do Guará. Ela decide ir ao local de invasão próximo para comprar drogas. Dá o celular como pagamento, depois exige o aparelho de volta e é assassinada a facadas e esquartejada.
14 de janeiro: a cabeça de Thalita é encontrada na Estação de Tratamento de Esgoto da Caesb, na Avenida das Nações.
15 de janeiro: as pernas são encontradas na mesma estação.
21 de janeiro: João Paulo é preso por tentar matar outra pessoa a tiros
13 de fevereiro: a polícia identifica Thalita Berquó.
17 de março: o tronco de Thalita é encontrado enterrado em uma cova no Parque Ecológico Ezechias Heringer, no Guará
27 de março: policiais apreendem adolescente envolvido no crime.
Perfis
A vítima
Thalita Marques Berquó Ramos
36 anos
Mãe de um filho de 15 anos
Trabalhou como gerente de uma rede de fast-food, em um shopping
Autores
João Paulo Teixeira da Silva
36 anos
Morador da área de invasão do Guará 2
Trabalhava como vigia de carros
Tem antecedentes por furto e tentativa de homicídio
Dois adolescentes, de 15 e 17 anos